domingo, 13 de dezembro de 2009

A Visita Pascal - Anos 50/60 - Vila Boa do Mondego

Ao começo da tarde do Domingo de Páscoa, iniciava-se a Visita Pascal cuja comitiva era presidida pelo Pároco, um homem que levava a Cruz, outro que transportava a caldeirinha da água benta, mais um que, num saquinho, recolhia as ofertas e um rapazote que, sempre à frente, fazia tilintar a campainha para anunciar a chegada.
As casas, limpas e enfeitadas com flores em jarras sobre as mesas, mantinham as portas abertas e era na rua que se esperava, à medida que os familiares iam chegando. No momento certo, as pessoas dirigiam-se para a sala, acomodando-se como podiam, ficando o dono da casa mais próximo da entrada. O senhor padre, aspergindo água benta com o braço bem levantado, proferia a Boa Nova: “Cristo ressuscitou! Aleluia! Aleluia”! E todos respondíamos: “Aleluia! Aleluia”! Em seguida, o chefe de família beijava a Cruz seguido pelos presentes. A visita era rápida o que originava alguma aceleração para se poder estar na casa de todos os familiares. Nós, os mais novos, éramos os últimos a beijar a Cruz e os primeiros a sair para, a correr, nos deslocarmos para a casa da avó, da tia ou da prima e, sem grande cerimónia, metermos na boca mais uma amêndoa branca ou cor-de-rosa que depressa trincávamos prontos para repetir o ritual.
A tarde passava num abrir e fechar de olhos! E quando começava a anoitecer, recolhíamos a casa onde, sentados à volta da fogueira, revivíamos aquele dia tão preenchido, tão diferente, tão de festa e, volta e meia, comíamos mais um biscoito enquanto se preparava a ceia que não nos importávamos que fossem as sobras do jantar.

Domingo de Páscoa - Anos 50/60 - Vila Boa do Mondego

“ Cristo ressuscitou! Aleluia!”
Era um dia cheio de alegria e de esperança, com raios de sol a entrar pelas estreitas janelas da Igreja a juntarem-se às luzes das velas acesas em todos os altares onde vasos de flores e toalhas brancas davam aos Santos um ar mais divino e feliz.
Na capela – mor as Bandeiras (estandartes), o Pálio ( sobrecéu portátil que se leva nas procissões para cobrir o sacerdote que leva a Custódia) e as lanternas, encostadas à parede, e o Guião (estandarte que vai à frente nas procissões) junto ao guarda-vento, assinalavam a particularidade deste Domingo.
O povo que ali se encontrava reunido, com roupa “de ver a Deus” porque para se andar de qualquer maneira já bastavam os outros dias, entoava cânticos de Aleluia, numa comoção sentida de vitória. Na altura da Comunhão muitas pessoas comungavam, incluindo homens tendo, para o efeito, havido Confissões para a preparação. Fazia parte dos deveres de bom cristão confessar-se pelo menos uma vez no ano, de preferência pela Páscoa. Terminada a missa, seguia-se a procissão pelas ruas principais da aldeia que, no dia anterior, tinham sido varridas, com vassouras feitas de giestas, pelos moradores. Era linda a procissão! O Guião, grande e pesado, requeria braços fortes, de homem, para o manejar sobretudo na descida do Outeiro, assim como as lanternas. As outras Bandeiras, mais leves, até as raparigas, algumas vezes, as podiam transportar. Das janelas e varandas pendiam colchas de tecido adamascado ou feitas à mão que, mesmo que fossem sempre as mesmas, eram sempre notadas.
O sino tocava com mais força ao recolher da procissão e, ao entrar na Igreja, as palavras “Aleluia”! “Aleluia”! continuavam a fazer-se ouvir para poderem ficar bem gravadas na nossa memória e ainda hoje fazerem eco nas nossas cabeças com cabelos brancos…

Também a alimentação, neste dia, era melhorada. No Sábado, o Forno Grande ( comunitário) não tinha descanso para cozer os biscoitos numas fornadas a seguir às outras. Num alguidar de barro misturava-se a farinha, os ovos, o açúcar, mexia-se com uma colher de pau e obtinha-se uma massa consistente que se deitava em forminhas de lata untadas com azeite ou se dispunha aos montinhos em tabuleiros. Era uma azáfama: na casa do Forno entravam cestas com os ingredientes e saíam cheias de biscoitos embrulhados em pequenas toalhas… para nós era uma alegria! Se nos deixassem, comíamos a massa às colheradas em vez de só raparmos o alguidar e lambermos a colher!
O jantar ( refeição por volta do meio-dia) do Dia de Páscoa, em regra, era constituído por carne de borrego que, ou se tinha dos rebanhos ou se comprava. Preparada de véspera, era guisada numa caçarola de barro preto de Molelos, sobre a trempe, com lume moderado. Azeite, alho e vinho branco e bastante tempo para apurar bem, eram o segredo do cozinhado. Depois, bastava cozer batatas que, a molhar naquele molho, (como se dizia), era de comer e chorar por mais! O arroz -doce comia-se à sobremesa e, em algumas casas, encetava-se um queijo.
As amêndoas também faziam parte da tradição e constituíam, para nós, uma guloseima. Quase só nesta Quadra nos lembrávamos delas, oferecidas por padrinhos ou familiares, faziam as nossas delícias e não descansávamos enquanto não dávamos conta delas porque, afinal, amêndoas era coisa de criança e duravam tão pouco tempo na boca…

A Semana Santa - Anos 50/60 - Vila Boa do Mondego

A SEMANA SANTA acabava por chegar com o Dia de Ramos que celebrava a entrada de Jesus Cristo na cidade de Jerusalém, como o sacerdote fazia questão de recordar. Mas, para nós, que dias antes só pensávamos no nosso ramo, acabava até por ser mais importante do que a passagem bíblica que comemorávamos. Era preciso levar, neste Domingo, um ramo bonito e completo como mandava a tradição: loureiros não havia na aldeia, mas alguém se encarregava de os trazer da Quinta dos Ramos aos quais se juntava alecrim e raminhos de oliveira. As mulheres levavam ramos grandes, num braçado, os homens apenas um ou outro um ramito de oliveira. Mas, nós, levávamos tempo a arranjar o nosso e, para ficar mais bonito, acrescentávamos-lhe algumas outras flores que nem vinham a propósito.
À entrada da Igreja eram benzidos pelo sacerdote e um clima de alegria reinava no ar misturado com o perfume campestre de tantos ramos… e não pensávamos em mais nada a não ser que era Domingo de Ramos e que tínhamos um ramo, como se essa realidade fosse válida para todos os Dias de Ramos da nossa vida…

Os ramos eram, depois, convenientemente dependurados para secarem porque uma outra finalidade os aguardava. Nos primeiros dias de Maio com eles se faziam cruzes que, colocadas nas árvores, nos campos, tinham a missão de proteger as colheitas sobretudo das trovoadas que naquele mês eram frequentes.

SEXTA –FEIRA SANTA ou Sexta – Feira da Paixão era um dia marcado pela tristeza. Da parte da tarde, quase ninguém trabalhava em sinal de respeito e luto pela Morte de Jesus. Na Igreja, procedia-se à Adoração da Cruz mesmo que o sacerdote não pudesse presidir, alguém se encarregava de conduzir a Oração.
As crianças, sempre presentes, ouvíamos atentas o drama da Crucificação e Morte de Jesus e, sem nos apercebermos, íamos construindo os alicerces da fé que ainda hoje nos sustenta.

Vila Boa do Mondego - Datas assinaladas - Quarta-Feira de Cinzas - Anos 50/60

Os acontecimentos de carácter religioso tinham, para as crianças, particular interesse que a repetição, ano após ano, não fazia desaparecer e nos levava a participar nos rituais litúrgicos com a devoção própria de quem ainda não tinha dez anos de idade.
A Quarta – Feira de Cinzas iniciava a entrada na Quaresma pelo que era dever de todos ir à missa e participar na imposição das cinzas como preparação para a vivência espiritual do Mistério Pascal, quer dizer, a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. O sacerdote, realçando a efémera fragilidade da vida humana, dava ênfase a estas palavras que, de pequenos, nos habituamos a ouvir e, já então, quase compreendíamos: “lembra-te de que és pó e em pó te hás-de tornar”…para, em seguida, deitar na cabeça dos fiéis, alinhados na coxia, uma pitada de cinza, em forma de cruz, resultante da queima dos ramos de Domingo de Ramos do ano anterior.
A verdade é que sentíamos alguma nostalgia associada à Quaresma. Na Igreja, com os santos tapados com panos roxos e a ausência de flores nos altares, a ouvir falar de jejum e abstinência… era uma reflexão dura demais para quarenta dias, dada a fé da nossa tenra idade.

Vila Boa do Mondego - Datas assinaladas - O Entrudo - Anos 50/60

DATAS ASSINALADAS



Os três dias de Carnaval que, na nossa meninice, chamávamos Entrudo, nada tinham de especial por não haver na aldeia a tradição de festejar esta data. Eram dias de trabalho iguais aos outros, porque quem vivia do amanho da terra e da criação de animais tinha sempre que fazer. Por isso, corpo cansado não se dava a folguedos. Excepcionalmente, alguém se lembrava de pôr alguns disfarces, entrar na Taberna e acompanhar o tocador de concertina numas voltas ao povo.
O que havia de invulgar era o jantar (ao meio-dia) do dia de Entrudo, propriamente dito. Para isso se guardava, na salgadeira, o rabo do porco que se cozia com feijão vermelho juntamente com uns nacos de carne gorda ou entremeada e uns bocados de chouriça. Na panela de ferro, que logo cedo se punha ao lume que se ia atiçando, tudo misturado ia cozendo lentamente até depois se juntar uns punhados de arroz. Era bom, comia-se à colher, num prato fundo que dava mais jeito.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Vila Boa do Mondego - As Terças - Feiras - Anos 50/60

O Mercado semanal realizava-se, em Celorico da Beira, às Terças – Feiras e ocupava um lugar de destaque em todas as aldeias do Concelho. A manhã de Terça – Feira era para ir à Vila, havendo sempre um motivo que o justificava: vender ou comprar qualquer coisa, resolver algum problema burocrático na Câmara, nas Finanças, no Cartório ou nos Correios, encontrar conhecidos para tratar de algum assunto, saber novidades ou, simplesmente, para andar envolvido num espaço agitado tão diferente da pacatez do quotidiano. O local, completamente ao ar livre, satisfazia quase todas as necessidades desde que houvesse dinheiro o que, na maioria das vezes, nem sempre acontecia. Quem tinha jeito para regatear, lá conseguia reduzir o preço e sentir algum conforto na algibeira e na mente.
No Inverno, as tendas de lona, enfunadas pelo vento, a custo impediam que os produtos se molhassem e, em seu redor, o lamaçal alastrava…pelo pisar contínuo dos transeuntes e pela descarga da água que se ia acumulando.
Neste Mercado havia tanta coisa! Calçado, roupas, chapéus, bancas de peixe e de carne, enchidos, couves e cebolo para plantar, fruta, legumes, alfaias agrícolas…

O importante era chegar cedo. Quem possuía burro ou cavalo, mais facilmente se deslocava e transportava nos alforjes (duplo saco, fechado nas extremidades e aberto no meio) o que levava para vender e o que tinha comprado, ou seja, para a Vila seguiam galinhas, ovos, coelhos, couves, grelos, nabos, feijões, requeijões…e de lá se traziam meias, tamancas, aventais, lenços para a cabeça ou outras miudezas que fizessem falta. As mulheres, por norma, iam a pé levando na mão a seira ( cesto ou cabaz tecido de esparto, vime ou junco) com as meias de ligas e os sapatos ; encurtavam distância pelo Caminho Velho, em pequenos grupos iam conversando e, quase sem darem por isso, chegavam à entrada de Celorico. Era inevitável a paragem antes da Casa do Veloso, debaixo de umas grandes árvores, à beira da estrada, para calçar as meias, puxar bem as ligas até acima dos joelhos, trocar de calçado, ajeitar o cabelo e o lenço ou mesmo agachar-se atrás do muro, no outro lado da estrada, para fazer algo de inadiável e pessoal. Não se entrava na Vila de qualquer maneira, parecia mal: uma coisa era andar a trabalhar de sol a sol, outra era ir à Vila onde parecia que nem se trabalhava e andavam todos bem arranjados.
Também havia quem utilizasse a camioneta da carreira que se esperava à Ponte. Mas, quando já vinha quase cheia, era uma confusão! Toda a gente queria subir à força, aos empurrões e mal se ouvia a voz fininha do cobrador a perguntar:
- Vai alguém para a Guarda? Porque o bilhete era mais caro e tinha-se prioridade. Aconteceu, algumas vezes, haver quem fosse apanhar a camioneta um pouco antes da curva, fora da paragem, para garantir o lugar: a seguir ao chafariz do Eirô, subiam as escadas ao fundo do muro da Vinha da Porta, percorriam um carreiro ao lado do Paço e, já na estrada, faziam “alto”(pare!) ao condutor. Mas o revisor, apercebendo-se da esperteza, passou a cortar o bilhete como se viessem de Vila Soeiro e assim já a viagem ficava cara demais e não compensava. Para os que ficavam em terra, era um grande aborrecimento. Arrependiam-se mil vezes de não terem ido a pé, a que horas iam chegar ao mercado, àquela hora já lá estavam, porque é que não tinham sido capazes de furar pela porta, como os outros, para a semana já sabemos como fazer…enfim…não havia outro remédio a não ser meter os pés a caminho porque era Terça – Feira e havia tantas coisas para fazer na Vila!
Por volta do meio dia, o pessoal começava a dispersar, uma vez que o que era para resolver estava resolvido. Das Tabernas saía o cheiro da sopa de grão de bico e das sardinhas fritas. Os homens sentiam a garganta seca e, muitos deles, tinham que entrar para beber um copo. Mais um copo, mais uma sopa, mais um amigo e as mulheres à espera, discretamente encostadas às paredes, pois nem tinham sede nem fome. Queriam que eles saíssem depressa para irem para casa tratar da vida e evitar despesa e bebedeira. E acontecia de tudo…
Certa vez, uma mulher da nossa Vila Boa do Mondego, cansada de esperar pelo marido, foi-se embora e deixou-o ficar na Taberna, em Celorico. A meio da tarde, parou um carro de praça no largo da Venda do Sr. Pereira que transportava o dito homem que, a cair de bêbedo, a custo saiu do carro, sentando-se de imediato no banco de pedra ali ao lado. O taxista pediu a um de nós que fosse chamar a mulher para receber o frete, visto ele não estar em condições de o fazer. A mulher chegou e, compreendendo de imediato a situação, pôs as mãos na cintura, virou-se para o dono do carro e disse com a maior determinação:
- Ele que veio, ele que lhe pague!
- Mas ele diz que não tem dinheiro…
- Não tem dinheiro? E eu, onde é que eu tenho dinheiro para lhe pagar?
- Compreenda a minha situação! Eu não posso ficar prejudicado!
- Também não quero o seu prejuízo! A única coisa que há a fazer é metê-lo outra vez no carro e ir deixá-lo ao sítio de onde o trouxe!
Lembramo-nos de ter assistido à cena, como observadores atentos ao que se passava e recordamos ainda os nomes dos intervenientes que, como em citações anteriores, não queremos referir. Neste caso, foi a presença do automóvel que atraiu a nossa curiosidade e, como não existia nenhum na aldeia, corríamos atrás dos que chegavam porque alguns nunca tinham andado de carro e era divertido acompanhar este movimento, como se nós próprios neles viajássemos…

O regresso fazia-se, habitualmente, a pé. Não só por uma questão económica, mas também porque a camioneta das quatro horas era demasiado tarde. Os homens montados nos burros ou cavalos e as mulheres atrás, com as seiras à cabeça. Algumas, nunca compreendemos bem porquê, fartas de apanhar a torreira do sol no trabalho do campo, vinham, no Verão, de sombrinha aberta pela estrada abaixo…
Nós, as crianças, raramente íamos à Vila nas Terças – Feiras. A escola era um motivo válido e só esporadicamente nos levavam, mas era o suficiente para nos apercebermos das diferenças reais entre aldeia e vila, gente do campo e sem o ser e o que significava sair do nosso meio e sentirmo-nos numa outra terra onde ninguém nos conhecia nem chamava pelo nosso nome.

Esperávamos pelos nossos pais, na esperança que nos trouxessem qualquer coisa, simples que fosse, mas fora do habitual. As laranjas, pela raridade, pelo feitio e pela cor, satisfaziam sempre os nossos desejos e nunca, nunca mesmo, comemos uma que não fosse doce, docinha como o mel!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Vila Boa do Mondego - As Janeiras - Anos 50/60

O primeiro dia do ano, quase sempre massacrado pelo rigor do Inverno que nas aldeias serranas se fazia sentir, tinha, para nós, um significado especial: ao anoitecer, formávamos um pequeno grupo e, segurando na mão um saquito de pano, alguns feitos de retalhos, íamos de porta em porta, cantando as Janeiras. É claro que não surpreendíamos ninguém porque, para além do barulho dos tamancos, ( calçado grosseiro com a base de madeira onde se pregavam brochas (pregos curtos de cabeça larga e chata) e das tarocas ( tamancos para meninas imitando sandálias) nas pedras da calçada, rua abaixo rua acima, sem sabermos por onde começar, havia a algazarra própria do grupo que, sem orientação nem ensaio prévio, mal sabia conter tamanha agitação. Por fim, depois de muitas tentativas e risadas, lá começávamos a cantar as mesmas quadras de sempre:

- Janeiras pedimos
Sacos trazemos
Se no-las derem
Bem as comemos.

- Esta casa é bem alta
Forrada de papelão
O senhor que nela mora
É um grande cidadão.

- Levante-se lá minha senhora
Dessa cadeira de cortiça
Venha-nos dar a Janeira
Ou de carne ou de chouriça.

Ás portas abertas ou encostadas, ia aparecendo alguém, depois de esgotado o nosso repertório que, a bem dizer, era reduzido. Os nossos sacos aceitavam tudo: figos secos, nozes, tostões… mas, de carne ou de chouriças, não há memórias…
Se, por acaso, de alguma casa nada recebíamos, isso em nada afectava a nossa boa disposição. Com mais força e graça entoávamos a quadra adequada:

- Esta casa é bem alta
Forrada de papelão
Venha o vento lá da Serra
Atire esta casa ao chão!

É evidente que as risadas estridentes, provocadas por esta rima, compensavam largamente a Janeira que não tínhamos recebido.
Para que não nos afastássemos muito, porque o recolher se guiava pela escuridão, cada grupo abrangia as ruas mais próximas das suas casas. O certo é que em toda a aldeia se sentia, naquele remanso do dia, o pulsar de sangue novo, a alegria espontânea das crianças que, dum gesto tão simples, extraíam tamanha felicidade…adoçada, no final, quando os tostões eram trocados por rebuçados na Taberna mais próxima. Como cada um custava meio tostão, ainda calhavam uns quantos! Eram pequenos, embrulhados num papel fininho, de cores diversas que davam colorido ao frasco grande em cima do balcão. O taberneiro tirava-os aos punhados, ia-os contando e separando…e nós,atentos, até que a contagem parasse e os excedentes voltassem ao frasco, seguidos do nosso olhar. Feita a transacção, cada um segurava o seu cartucho, guardando para mais tarde o outro conteúdo do saco.Em primeiro lugar estavam os rebuçados que começávamos a trincar um a um... e, quando já segurávamos na mão os poucos que restavam, esses eram demoradamente chupados, para durarem mais tempo...e duraram tanto tempo que, mais de cinquenta anos depois, ainda sentimos na boca o doce inesquecível dos rebuçados de meio tostão!

domingo, 26 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego - Datas Assinaladas - Dia de Natal - Anos 50/60

A manhã revestia-se de pormenores relacionados com a ida à missa, que tinha lugar por volta das nove ou dez horas, de acordo com a disponibilidade do Pároco que se deslocava de Celorico. O almoço ( primeira refeição do dia), podendo constar das sobras da Ceia, embora de forma apressada, era inevitável porque não era bom ir para a Igreja em jejum. Em seguida, procedia-se à higiene domingueira havendo o cuidado de lavar, com água e sabão, a maior superfície do corpo possível o que originava despejar, na rua, a bacia de zinco ou de esmalte várias vezes. Era complicado se, entretanto, o primeiro toque do sino se fazia ouvir o que acelerava ainda mais o arranjo das crianças que, naquele dia, não podiam faltar à missa. Se havia roupa nova, a estrear, era mais fácil; mas, se já vinha de um irmão mais velho, ou de um vizinho, quase sempre era necessário fazer dobras e disfarçar, de outros jeitos, o desajuste do tamanho. Com o calçado, agudizava-se a situação: se era novo, causava sempre incómodo por ser a primeira vez; se já tinha sido usado e os pés, por norma, andavam descalços, também se sentiam apertados e com dificuldade de movimentos. O certo é que tudo isto despendia tempo e causava atrapalhação a quem, pelo tempo, não era controlado. Um dos últimos retoques era o pentear que, se no caso dos rapazes era molhar o pente, fazer o risco, ou o caracol a cair para a testa, no caso dos mais pequeninos, tornava-se moroso no caso das meninas cujos cabelos compridos custavam a desenriçar para fazer, a preceito, as tranças ou prendê-lo com um laço que, com o sino a apressar, nunca calhava bem à primeira. Já quase em cima da hora se colocava uma gravatinha que, sobressaindo na camisa branca, dava aos rapazes um ar de homenzinhos. Por último, para enfeitar as meninas, ia-se buscar a caixinha do ouro, nos casos em que existia, e tudo o que era para pôr se punha: brincos, anéis, fios ao pescoço … e, quando acontecia ser um daqueles cordões com mais de um metro de comprido as voltas eram tantas que, por pouco, não se chegava atrasado à missa.
A indumentária dos adultos em pouco diferia de um Domingo habitual. Os homens, envergando o fato das ocasiões especiais, sobrepunham-lhe uma samarra para se protegerem do frio que, em situações de descanso, custava mais a suportar e usavam o chapéu novo que se mantinha guardado; as mulheres, pouco se preocupavam com a vestimenta pois o xaile preto de lã, dobrado em triângulo, cobria tudo e aconchegava muito. Tinha importância, isso sim, pentear bem o cabelo, fazer a trança de novo e conseguir um carrapicho volumoso, seguro com ganchos, de preferência de osso de tartaruga, que prendiam e enfeitavam mais. O cabelo era, talvez, a única presunção mas, coberto pelo lenço ou pelo véu, apenas discretamente se adivinhava.
Mais a preceito se preparavam as moças casadoiras com as suas saias de pregas bem vincadas ou justas, camisolas de lã, por elas manufacturadas, meias finas e sapatos pretos com um bocadinho de salto. Os cabelos que, uma a uma, foram cortando, apresentavam-se neste dia cheios de caracóis em resultado das permanentes que, na véspera, tinham feito numa cabeleireira de Celorico. Os adornos de ouro, já propriedade própria, contribuíam para reforçar a postura dos seus corpos esguios que, mercê do amanho das terras, não acumulavam gorduras.
Para a Igreja o povo se ia encaminhando sempre atento aos toques do sino. Os homens iam chegando em primeiro lugar e, em pequenos grupos, conversavam no adro, junto da porta lateral. A grande maioria subia as escadas exteriores e instalava-se no Coro; alguns, de mais idade, ocupavam os bancos junto do altar de Nossa Senhora. As mulheres e as crianças entravam pela porta principal, onde o guarda-vento dava um jeitão, dirigindo-se para os lugares onde, permaneciam, em muitos casos, as pequenas almofadas rectangulares, para se ajoelharem. A verdade é que a Igreja se ia enchendo, pois havia ainda a acrescentar a presença dos camponeses das quintas e os habitantes do Barco que, sensibilizados pela quadra natalícia, queriam assistir à missa.

Várias gerações ali se encontravam com o objectivo comum de festejar o Nascimento de Jesus. O ritual da Celebração pouco diferia de um Domingo habitual mas, o espírito de Natal dava mais inspiração para, em latim, se rezar a Confissão, o Credo, o Pai Nosso… e, quando chegava o momento dos cânticos, na língua viva em que todos nos expressávamos, as vozes afinavam-se e, em uníssono, enchiam a Igreja, sobrevoavam o Presépio e, decerto, chegavam ao céu!
A cerimónia terminava com o "beijar o Menino". O sacerdote retirava-O das palhinhas enquanto os fieis, entoando cânticos de Natal, formavam fila na coxia. Como era tão perfeito! Rosado, sorridente, rechonchudo, com as perninhas ligeiramente cruzadas, no joelho ou no pé se ia beijando à medida que, com um paninho branco, o sacerdote ia apagando vestígios do carinho ali deixado:

- Ó meu Menino Jesus
- Convosco é que eu estou bem.
- Nada deste mundo quero
- Nada me parece bem!

- Ó meu Menino Jesus
- Boquinha de requeijão
- Dai-me da vossa merenda
- Que a minha mãe não tem pão.

Eram os Natais da nossa infância que, na ingenuidade própria da idade, acreditávamos que fossem sempre assim: na mesma Igreja, na mesma aldeia… como se não houvesse mais mundo e nós continuássemos sempre crianças…

domingo, 12 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego - Datas assinaladas - Consoada - Anos 50/60

A CEIA DA CONSOADA decorria na cozinha, em virtude de ser a divisão mais aquecida da casa e não se justificar sair de lá. Os familiares, mesmo que aumentassem, cabiam bem e, além disso, o convívio já tinha começado. As duas panelas grandes de ferro que, anteriormente, amparavam o lume e ferviam “mentiras”, iam cozer as batatas, as couves tronchudas e o bacalhau que, bem regados com azeite, era de comer e chorar por mais! E, porque era Noite de Natal, tão diferente de todas as outras, podia haver arroz-doce para a sobremesa! Se algum vizinho, por mera amabilidade ou para retribuir um favor, achava por bem oferecer algum leite das suas ovelhas, era uma delícia para completar a Ceia!

Noite de Consoada um pouco atribulada aconteceu, certa vez, a uma das famílias da aldeia. Uma mensagem natalícia, vinda de uns conterrâneos imigrantes na América, abriu crédito na Taberna do sr. Pereira para proporcionar, em géneros adequados, uma Ceia condigna aos agregados familiares mais carenciados. Porém, não estando o organismo habituado a tanta abundância, pregou-lhes uma partida fazendo-os passar uma parte da noite de levante. Ora, como a família era numerosa e as idas ao pátio tão frequentes, acabaram por suscitar a curiosidade dos vizinhos visto que, de noite, qualquer barulho ou movimento era ampliado naquele sossego onde quase nada acontecia. Mas, como eram as diferenças que faziam as festas, também esta se integrou no âmbito festivo porque estômago vazio não dava ensejo a alegria e aquela noite tinha que ser alegre!

A meia-noite chegava depressa. Em algumas casas ouviam-se cânticos de Natal:
- Alegrem-se os Céus e a Terra
- Cantemos com alegria
- Já nasceu o Deus Menino
- Filho da Virgem Maria!

Sabíamos que, na nossa aldeia, esta noite pouco diferia de casa para casa. E, como sabíamos pouco, pensávamos que seria igual ou parecida no resto do mundo que, no fundo, nem tínhamos a certeza se existia.

E era muito fácil adormecer! Sentíamos à nossa volta um amor tão grande, uma abnegação tão profunda, uma mensagem de Natal tão verdadeira, que nos levavam a não desejar mais nada porque, confiantes, acreditávamos que já tínhamos tudo.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego - Datas assinaladas - O Natal - Anos 50/60

DATAS ASSINALADAS
O NATAL

Os Natais da nossa infância tinham um carácter essencialmente religioso. O nascimento de Jesus concretizava-se no Presépio que, com a devida antecedência, era armado na Igreja ao lado esquerdo do altar-mor (altar principal da Igreja). O musgo, apanhado nos pinhais, cobria toda a superfície onde se colocavam as diversas figuras que, embora fossem sempre as mesmas, cada ano nos pareciam mais belas e reais devido à conotação que lhes atribuíamos. A gruta de Belém, centrada e elevada à custa das pedras escondidas sob o musgo verde, sobressaía no conjunto e para lá se dirigiam, antes de tudo, os nossos olhares meigos e piedosos que contemplavam tanto desconforto agudizado pelo frio intenso daqueles Dezembros rigorosos que não se compadeciam com a nudez do Menino Jesus. Nossa Senhora e São José, um de cada lado do berço de palhinhas, não Lhe podiam pegar ao colo embrulhando-O nos seus mantos mas, a vaquinha e o burrinho, ali encostados e quietos, tinham o propósito de, com o seu bafo, aquecer um pouco o corpinho do Menino. No cimo da gruta permaneciam dois anjos de asas abertas que assinalavam o poder divino daquele Nascimento. Desviando o olhar, percorriam-se caminhos de terra trilhados pelos Reis Magos, pisados por pastores levando presentes e, de onde em onde, surgiam rebanhos em bardos para não se dispersarem. Aqui e além surgia uma ponte, um moinho, mais umas ovelhas dispersas acompanhadas pelo pastor e o cão… e, novamente, os nossos olhos regressavam ao centro das atenções que era o Menino Jesus.
A montagem deste Presépio, que acompanhávamos a par e passo, era uma alegria antecipada, uma participação com significado, uma curiosidade sempre nova que, no Dia de Natal, observávamos em silêncio como se fosse a primeira vez. Sabíamos, da Catequese, que o facto tinha ocorrido muito longe, em Belém, mas pensávamos que seria uma aldeia igual à nossa: com frio, animais e pessoas simples e felizes com o Nascimento de Jesus.
A noite da Consoada, na véspera de Natal, revestia-se de algumas particularidades relacionadas com a alimentação. As filhós, tradição desta quadra festiva, faziam-se à noitinha depois de se deixar levedar a massa. Esta, composta por farinha, fermento dissolvido em água morna, ovos, azeite quente e uma pouca de água-ardente, era demoradamente amassada com as mãos, num alguidar de barro, até a massa ficar consistente e se desprender dos dedos. A seguir, dava-se-lhe uma forma arredondada, alisava-se com um punhado de farinha, desenhava-se, com a cota da mão, uma pequena cruz num cantinho, tapava-se o alguidar com uma toalha dobrada, das mais usadas, e colocava-se perto da fogueira para aproveitar o calor e levedar mais depressa, havendo o cuidado de ir rodando o alguidar. Algumas horas após, constatado o aumento do volume da massa e os desenhos gretados na superfície desta, procedia-se à fritura à qual já toda a família assistia, tomando assento nos seus bancos. O lume mantinha-se aceso com calor certo e a lenha, de preferência seca e em cavacas pequenas; a trempe, sobre o fogo moderado, pronta para receber a frigideira funda coberta de azeite; ali ao lado, o alguidar da massa, de onde se iam retirando pedaços em pequenas bolas que, um a um, depois de bem estendidos sobre um joelho coberto por um pano limpo, assumiam a forma circular e eram deitados sobre o azeite que, rapidamente, os fazia crescer e alourar. Esta tarefa culinária, festiva, rara e gulosa, exigia a colaboração de quem virasse a filhó, a fim de fritar dos dois lados, quem fizesse a manutenção da fogueira, quem as fosse polvilhando com açúcar enquanto quentes, e quem as provasse para se saber se estavam boas…
A noite era de festa!
Que importava a escuridão, a rigidez do frio, o soprar do vento ou mesmo que a geada ou a neve caíssem lá fora? A cozinha estava mais iluminada e quente, a proximidade do lume maior que a habitual, outro alguidar se ia enchendo de filhós quentes, douradas, doces, estaladiças...
-Era só para provar! Comer, depois da Ceia!
Mas nós, as crianças, que há um ano esperávamos por elas, íamos provando uma a seguir à outra para termos a certeza de que estavam boas, muito boas e quiséssemos, intuitivamente, gravar nas nossas mentes aquele doce sabor de infância.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego - Pequeno aqueduto

Este simples aqueduto em granito transportava, por desnível, a água do poço para o campo de regadio.
Era frequente, no pino do Verão, posicionarmo-nos junto a este muro, à medida da nossa altura, para matarmos a sede: inclinávamos a cabeça, ficávamos com o rosto molhado, mas fresco, indiferentes à proveniência dessa água. Que importava isso se ouvíamos dizer " que água corrente não mata gente?"
No Inverno, abrigava os pastores do frio, da chuva e do vento. E, quando os rigores do tempo se iam atenuando e as primeiras réstias de sol surgiam, era o melhor sítio para as desfrutar.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego - Engenho ( Aparelho para tirar água de poços )

Constituído por uma roda dentada em ferro que elevava os alcatruzes que despejavam a água numa caleira de latão. Assentava em duas traves de pedra, num poço circular também de pedra que, a maioria das vezes sem nascente natural, se abastecia com a água da Ribeira.
Era accionado por um cambão ao qual se atrelava um burro ou um cavalo.

Vila Boa do Mondego - A quelha do Chão do Cano

Como gostaríamos de possuír fotografias dos anos 50 e 60 ! Mas, na época, apenas o Sr. Toneca tinha uma máquina fotográfica e registava, a pedido, em tamanho reduzido, imagens esbatidas de pessoas a sorrir...
Não passava pela cabeça de ninguém meter esta Quelha numa objectiva! Bem bastava o que custava a descer e muito mais a subir com cestas pesadas nas mãos, à cabeça ou sacos às costas!
Mas, para as nossas pernas ágeis, era como se fosse a direito...

Vila Boa do Mondego - Casas da nossa aldeia

Pedras grandes e pequenas, um telhado, uma porta e um buraco para deixar entrar alguma claridade que anunciasse o nascer do dia.

Vila Boa do Mondego - Balcão de casa


O granito deste balcão acusa, visivelmente, o desgaste provocado pela sua utilização ao longo do tempo.

Vila Boa do Mondego - Casas da nossa aldeia


Casas que povoam o nosso pensamento nesta análise retrospectiva de uma parte da nossa existência.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego - Casas da nossa aldeia


Nesta casa, afastada da povoação, do outro lado da Ribeira, tiveram início as Memórias que descrevemos.

domingo, 5 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego -Recordando...


O Penedo da Pomba.Onde ouvíamos dizer que vivia uma Moura encantada!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

VILA BOA DO MONDEGO _ A PONTE ROMANA - anos 50/60

De novo surge a Ribeira a correr nas vivências da nossa infância… caudalosa e de águas negras durante o Inverno, na altura das cheias, cobrindo por completo as poldras (pedras de passagem de uma para a outra margem) ao fundo da quelha do Chão do Cano e da Salgada, impedindo a passagem entre as margens com dificuldades acrescidas para quem vivia do lado oposto à aldeia…como visionamos aquelas pedras alinhadas entrelaçadas por tantos detritos que a força da corrente não conseguia fazer passar entre elas…como recordamos que a única forma de alcançar a aldeia era a Ponte, tão longe, lá ao fundo onde a Ribeira quase acabava! Para isso era necessário ir pelas Nogueiras, atravessar no Cabouco, percorrer a estrada alcatroada, como se viéssemos de Celorico, e lá estava a Ponte que, não fosse a tentação de nela nos debruçarmos, quase esquecíamos o motivo de tão grande desvio.
No entanto, embora a sua funcionalidade tivesse precedido a nossa concepção de arquitectura, nos dias quentes de Verão, com a Ribeira quase seca, sentindo o fresquinho da areia molhada debaixo dos seus grandes arcos, onde as nossas vozes faziam eco, de forma bem concreta compreendemos o que era uma Ponte, a primeira das nossas vidas e, decerto, a única sob a qual havíamos de ter brincado… indiferentes ao seu passado romano porque, na infância, vivemos o presente tão intensamente como se nós próprios fôssemos a medida do tempo.
Mas, a Ponte não se limitava à sua realidade física! A Ponte, era antes de chegar à Ponte: era junto do enorme freixo, na paragem da camioneta da carreira, nas casas de habitação ali existentes, na maneira de identificar alguns dos residentes, ( como o Manel da Ponte que, embora não tivesse que atravessar a Ribeira, também junto dela deixou pegadas de infância), no local onde se esperava por alguém, no sítio onde se podia ver a placa, com uma seta fininha a apontar para um caminho de terra batida: Vila Boa do Mondego.

domingo, 7 de junho de 2009

VILA BOA DO MONDEGO - O RIO MONDEGO -Anos 50/60

O facto de o Rio Mondego deslizar tão próximo da nossa aldeia teve influência na sua denominação quando, por volta dos anos cinquenta, foi decidido alterar o nome de Jejua para Vila Boa do Mondego. É certo que alguns de nós ainda não tínhamos nascido mas, mais tarde, apercebemo-nos de que a mudança se impunha porque ninguém gostava daquele nome que não se ajustava à gente da nossa terra. Foi, segundo ouvíamos contar, fruto da desilusão de um militar francês que, preparando-se para saquear a aldeia, na época denominada Vila Boa, nada encontrou pois os habitantes utilizaram a estratégia de esconder os mantimentos antes de abandonarem as suas casas. Independentemente destas duas designações, a verdade é que nascemos em Vila Boa do Mondego e crescemos a ver o Rio Mondego que ainda corre nas nossas lembranças…
No Verão era o local predilecto para desfrutar da frescura das suas águas e da sombra dos freixos e amieiros. Bom a valer era quando nos deixavam tomar banho, sempre sob vigilância, porque éramos pequenos, não sabíamos nadar e havia sítios profundos. Os rapazes da nossa idade tinham mais sorte; escapavam-se, banhavam-se e apanhavam bogas que iam enfiando num junco até perfazerem uma fiada de peixes. Também as raparigas, nas tardes de Domingo, davam o seu passeio ao Rio. Porém, não tomavam banho para não se exporem a olhares curiosos. Para tal, de vez em quando, à tardinha, reuniam-se e, discretamente, dirigiam-se ao sítio do Penedo onde despiam a roupa e, em calças (roupa de dentro) e combinação, tomavam um banho completo que só ali era possível. É evidente que, nestas situações, havia sempre alguém atento e, certa vez, um grupo de rapazes mais dados a maroteiras, foram no seu encalço e esconderam-lhes a roupa que, na margem, tinham deixado amontoada. Contavam, depois, que se fartaram de rir ao vê-las a fugir, a escorrer, a esconderem-se nos milheirais …
Também no pino do Verão se procedia à limpeza total da roupa da cama. Para o Rio se transportavam, à cabeça ou em burros, os lençóis amarelados que nem tinham sido utilizados, os cobertores, as mantas de farrapos e a enxerga (espécie de saco com abertura ao meio) esvaziada para receber palha nova. Na água corrente se metiam, se estendiam no areal, se esfregavam com sabão e se deixavam a corar ao sol do Estio radioso. Entretanto, e como havia sempre várias mulheres que, entre si, se ajudavam dado o peso das peças, aproveitavam para conversar, comer o farnel e deixar secar as saias que, inevitavelmente, tinham molhado. Seguidamente, depois de retirado o sabão, era preciso torcer tudo o melhor possível para facilitar a subida até à encosta onde as giestas e os carvalhos serviam de estendal.

Nós, que só teoricamente sabíamos da existência de praias, pensávamos que eram assim: água, sol e areia!...

VILA BOA DO MONDEGO -AS VENDAS / TABERNAS - Anos 50/60

Nos finais dos anos cinquenta e início dos anos sessenta, sob os quais incidem estas memórias, havia duas Vendas/Tabernas em Vila Boa do Mondego. Uma delas, improvisada numa casa de habitação, tinha como acesso umas escadas de granito, sem resguardo, cuja descida se tornava perigosa,a horas tardias, pela bebida em excesso agravada pela escuridão da noite. Localizava-se a seguir à Igreja na primeira ruela do lado esquerdo, que não tinha saída. No interior, destacava-se um largo balcão de madeira, atrás do qual os vendeiros se mantinham de pé, solícitos para aviar quem chegasse, umas mesinhas com algumas cadeiras onde os homens jogavam as cartas, um banco comprido de madeira encostado à parede e ainda a cabine telefónica pública, ao canto direito, alojando o aparelho preto e misterioso que, de tempos a tempos, se fazia ouvir. A sua utilização não estava incluída nos hábitos das pessoas, só em casos de grande urgência: ou para chamar o médico, quando as mezinhas caseiras se revelavam ineficazes ou para receber alguma notícia de familiares que, a maioria das vezes, nada de bom trazia. Era um de nós, que por ali brincávamos, que se incumbia da primeira parte do sobressalto ao ir procurar a pessoa para atender a chamada, como se dizia. Largava-se tudo e, a correr, subiam-se os degraus de pedra, entrava-se na dita cabine, fechava-se a porta, voltava-se a abrir para pedir ajuda porque aquilo era complicado para se poder ouvir quem de longe falava…respondia-se com força para facilitar a comunicação e abafar um pouco a algazarra que, na taberna, continuava…e, a arfar de cansaço e tristeza, muitas vezes se deixava o local sem ter compreendido claramente a mensagem ou a chorar porque a tinha entendido bem demais…
A outra Taberna, não muito distante desta, tinha uma localização privilegiada num largo onde os carros e outros transportes podiam estacionar e inverter a marcha. Mais adequada ao fim a que se destinava: a porta ao nível da calçada, mais espaço no interior, que não evidenciava tanto o aposento do telefone e um grande pátio anexo onde acondicionavam, de forma ordeira, muitos dos produtos de venda.
Ambos os estabelecimentos comerciais, únicos na aldeia, funcionavam como Vendas, Tabernas e Mercearias encontrando-se apetrechados com tudo o que era estritamente necessário para viver: mercearias, conservas, azeite, petróleo, vinho, aguardente e tantas outras miudezas. Tudo se vendia avulso (de acordo com a quantidade desejada): os produtos sólidos em cartuchos de papel pardo e os amendoins, por nós considerados coisa rara, era necessário acondicioná-los bem para não saírem do seu pequeno cone feito em papel de jornal; os líquidos eram transportados no recipiente que cada freguês levava de casa. Quando se efectuava qualquer compra, o mais usual era não pagar e mandar apontar no livro a isso destinado, " A Caderneta". Por isso, havia o cuidado de alternar a despesa nas duas Vendas para não tornar demasiado extensa nenhuma delas. Por norma, era no final das colheitas que se "riscavam" as dívidas mas, acontecia que, quem não tinha esta fonte de receita, chegava a perder o crédito em ambas, ou seja não havia mais fiado, o que constituía um desarranjo e vergonha porque tudo se sabia e ninguém gostava de ser tido como caloteiro. Nós, as crianças, acatávamos de bom grado qualquer recado para fazer um avio: era interessante entrar na Taberna, sobretudo à noite em que a luz intensa do petromax quase nos cegava e presenciar, ainda que repentinamente, um ambiente que não nos era habitual. E,afinal, pagar ou mandar apontar não tinha assim tanta importância; importante era trazer o cartucho com o arroz ou a lata com o azeite ou o petróleo. Bons fregueses, porque compravam muito e pagavam de imediato, era o pessoal das Casetas( casas dos vigilantes do caminho de ferro) que não cultivavam nada, tinham ordenado mensal certo e estavam habituados a outro conceito de vida.
Uma ocasião, numa destas Tabernas, onde um rapazote costumava ajudar no atendimento, apareceu uma mulher com uma almotolia (para azeite) a solicitar, em surdina, meio quartilho de aguardente. O rapaz, estupefacto, repetiu o pedido em voz alta, o que a encolerizou. Ao mesmo tempo que insultava o rapaz ia repetindo, só para ele ouvir, que era mesmo aguardente que, como de costume, pretendia. Os presentes deram conta do trocadilho, mas não estranharam tratando-se de quem era e ela lá foi, ansiosa por chegar a casa que nem era assim tão perto.
Também nestas Vendas se compravam as nossas ardósias, lápis, borrachas, canetas de aparo e aqueles cadernos de duas linhas onde, com a mãozinha a tremer, começámos a desenhar as primeiras letras com medo que saíssem para fora as que não deviam sair!
Não sendo locais destinados a crianças e mulheres eram frequentados, sobretudo ao anoitecer, por muitos homens que, sob o pretexto de dar um recado, tratar de assunto ou simplesmente beber um copo, iam ficando, bebendo, jogando e conversando até que a discussão surgia, os ânimos se alteravam e ninguém respondia por si. Nestas alturas, as mulheres cansadas de esperar os maridos para a ceia e suspeitando do efeito do vinho, deslocavam-se às Tabernas, envergonhadas e amedrontadas a espreitar à porta, sem poderem adivinhar qual seria o desfecho…
A primeira Venda/Taberna que referimos acabou por fechar; pelas dívidas em excesso, não seria, mas o casal tinha duas filhas, jovens e bonitas, para as quais era preciso providenciar um futuro melhor que, num Continente distante, foram procurar.
Em compensação, tempos depois, outra Venda/Taberna abriu no cimo do povo que veio facilitar o abastecimento dos habitantes em redor.Esta, construída de raiz para o fim a que se destinava, possuindo duas partes distintas para mercearia e taberna, era propriedade de lavrador abastado que vendia vinho e azeite produzidos nas suas próprias terras.
Descortina-se ainda, nestas memórias de infância que se vão avivando com o tempo, um grande cartaz colorido, dependurado na parede das Tabernas, com diversos objectos expostos: chocolates, pentes, relógios,isqueiros...eram as Rifas!...a desafiar a nossa curiosidade e a nossa sorte!

quinta-feira, 4 de junho de 2009

VILA BOA DO MONDEGO - AS FONTES E CHAFARIZES - Anos 50/60

As nascentes encarregavam-se de abastecer a população através das fontes e dos chafarizes que diferenciavam na forma e no funcionamento. As fontes eram poços a céu aberto escavados na rocha onde a água, saindo por pequenas fendas, se ia acumulando à mistura com limos, folhas secas, terra e outros detritos trazidos pelo vento e pelo fundo dos cântaros e regadores. O mergulhar destas vasilhas era precedido por umas voltinhas circulares que, quando bem sucedidas, podiam evitar o que não se pretendia e apanhar apenas água. É certo que, em algumas ocasiões a água, à superfície, mal se via e era preciso despejar e limpar a fonte que, algumas mulheres, quase sempre as mesmas, se encarregavam de fazer. Contudo, nem a Fonte do Forno nem a de Belém foram, alguma vez, responsabilizadas por algum mal-estar ou posta em causa a qualidade das suas águas.
Junto das fontes havia uns patamares de pedra onde os cântaros esperavam que as rodilhas fossem ajeitadas para que pudessem assentar bem na cabeça. Era uma tarefa feminina que requeria bastante equilíbrio e que nós, por mais que tentássemos, não conseguíamos imitar.
Os chafarizes superavam as fontes, no que se refere à construção, uma vez que dispunham de uma torneira inserida numa parede trabalhada. Ao lado do Chafariz do Eirô, encostado ao muro da Vinha da Porta, havia o único tanque para lavar roupa, mas em nada se comparava à água corrente da ribeira ou do rio. No cimo do povo existia ainda o Chafariz do Outeiro que satisfazia as necessidades da vizinhança.
Fazia parte das nossas tarefas diárias ir buscar água à fonte para que as nossas mães, ao chegarem do campo, tivessem água em casa para fazer a ceia. Fazíamo-lo de bom grado, com o regador de zinco, mal cheio e, pelo caminho, íamos parando e bebendo pelo cano, não porque tivéssemos sede, mas porque achávamos graça…

VILA BOA DO MONDEGO - O FORNO GRANDE -Anos 60

Era um forno grande e público que laborava com frequência de modo comunitário e servia toda a população. Alojava-se num espaço próprio, em paredes de pedras soltas onde duas enormes bancadas também de pedra, facilitavam a colocação dos tabuleiros onde os pãezinhos de centeio aguardavam a altura certa de entrar naquele buracão escaldante. Seria impraticável utilizá-lo individualmente quer pelo dispêndio de lenha, quer pelo excesso de trabalho, ou até mesmo para não desvirtuar o seu propósito. Normalmente, funcionava com quatro ou cinco pessoas que, observando um ramito de árvore metido num buraco da parede, junto à porta, indicava que alguém estava interessado em cozer e procurava parceria para fazer a fornada. Esta era a senha que rapidamente circulava e formava grupo. Em tempo de festas funcionava dia e noite numa produção mais gulosa para que os biscoitos não faltassem em nenhum lar. E a pequenada andava por ali, ávida para rapar a massa dos alguidares de barro à medida que se iam esvaziando.
Em ocasiões mais ou menos cíclicas, o forno servia de abrigo a ciganos e cesteiros onde, à falta de melhor, obtinham alguma temperatura real ou imaginária. Muitos deles já os conhecíamos e por ali andávamos, com timidez e curiosidade, observando formas diferentes de viver. Quando partiam, não sentíamos qualquer nostalgia por ficarmos porque esta aldeia, no nosso pensar de então, era o único lugar do mundo onde poderíamos viver e ser felizes.

VILA BOA DO MONDEGO - AS ALMINHAS - Anos 50

Nas encruzilhadas dos caminhos, em alguns sítios, deparávamos com figuras gravadas na pedra sobre um muro que, o passar do tempo ou a rudez da arte, não permitindo uma interpretação nítida, nos fora ensinado a olhar com respeito devido à conotação sagrada que lhe era atribuída: as Alminhas. Os homens mais devotos, ao passar, tiravam o chapéu e nós, na idade em que tudo se aprende, sabíamos de cor o que se devia dizer:
-Alminhas que estais, por quem esperais?
-Por vós e demais…
Contudo, nem sempre o fazíamos ou por não enterdermos o conteúdo ou porque não queríamos "esperar", pois nenhuma criança gosta desta palavra que interrompe a sua pressa de crescer.

VILA BOA DO MONDEGO- O CEMITÉRIO -Anos 50/60

Passado o Outeiro, a correnteza de casas terminava e surgia um caminho deserto que, entre as Tapadinhas e os Cabecinhos, levava ao Cemitério como preparação para o isolamento completo a que estes lugares são vocacionados. Um muro alto de granito delimitava o espaço onde todos os habitantes da aldeia sabiam ter lugar garantido. A porta, gradeada de ferro preto, sempre aberta ou encostada, dava acesso à última morada que, na generalidade, era a terra dura e fria, sem marcação prévia, por vezes até distanciada de familiares que ali já se encontravam. O espaço era pequeno e, à excepção de duas ou três campas cobertas com mármore e mais uma meia dúzia ladeadas com grades de ferro, todas as outras se evidenciavam devido à pequena elevação de terra, alisada e com algumas flores. A identificação não era fundamental, pois todos sabíamos onde todos estavam e era nos Finados que os familiares acorriam para cuidar o espaço e matar saudades. Então, as sepulturas ficavam revestidas de crisântemos pequeninos aos quais se retirava o pé para formar uma espécie de colcha em tons de vermelho escuro que faziam realçar o amarelo da cruz que, por cima, com as mesmas flores se desenhava.
O Cemitério, por se encontrar um pouco distanciado da povoação e, propositadamente nos ser evitado, não deixou vestígios assinaláveis nas nossas vivências que, despertas para a vida, esqueciam este lugar transferindo-o para o fim do mundo.

domingo, 31 de maio de 2009

VILA BOA DO MONDEGO -Descrição Física - O CRUZEIRO-anos50

Situava-se numa das saídas da aldeia no caminho que, mais directamente, levava às Ladeiras erguendo-se, do lado esquerdo do caminho, sobre uma rocha coberta de saibro. Uma cruz grande, de pontas arredondadas, assentava num pedestal que, ninguém sabia quando, houvera sido arrancada de algum penedo das redondezas para ali permanecer como mensagem divina. O acesso era escorregadio, embora facilitado por alguns carvalhos rasteiros a cujos ramos nos agarrávamos quando participávamos nas novenas, a convite de alguém, no cumprimento de uma promessa. Como era indispensável a presença de nove pessoas tornava-se fácil reunir oito crianças para conseguir o objectivo. Para nós era divertido dar as nove voltas, a subir e a descer com a ideia fixa nos rebuçados ou figos secos que, no final, nos eram distribuídos. Outras vezes, quando por ali brincávamos, numa traquinice mais ousada, subíamos para a pedra de base e, para não cairmos, abraçávamos a cruz que, no decorrer de séculos, outro contacto humano não deve ter tido além destes e outros bracinhos frágeis.

VILA BOA DO MONDEGO -A ESCOLA -Finais dos anos cinquenta

O edifício escolar não obedecia a nenhum plano de construção. Funcionava numa sala vulgar com quatro janelas e uma porta que tinha na parte superior um suporte de madeira pronto para hastear a Bandeira Nacional que não nos lembramos de ter visto. No interior, várias carteiras de madeira maciça, uma secretária, uma cadeira, dois quadros pretos, os mapas de Portugal Continental, Portugal Insular e Ultramarino e uma caixa de madeira contendo os sólidos geométricos dos quais a esfera, por ser tão redondinha, captava a nossa atenção e todos facilmente identificavam.
Era um local frio, desprovido de qualquer conforto nos dias de Invernos duros. Como aquecimento havia uma braseira que se ia enchendo e renovando de brasas recolhidas nas fogueiras das casas vizinhas. As duas escalfetas (braseiro em forma de caixa), compradas na feira de Trancoso, eram invejadas pois apenas aqueciam os pés dos respectivos donos. O frio nas mãos suportava-se de bom grado porque tê-las quentes era sinal de erros ortográficos, esquecimento de alguma Serra entre o Sabor e o Douro, confusão com as linhas do caminho de ferro de Angola e Moçambique, as Campanhas do Gungunhana ou a falta de alguma das conjunções adversativas. Alguns alunos faltavam à escola pelo rigor exigido em relação à aquisição de conhecimentos ou porque, no caso dos rapazes, eram precisos para guardar os rebanhos. Mas, os que persistiam e tinham a sorte de ter pais empenhados, obtiveram ensinamentos para a vida inteira.
Escrever na ardósia, que às vezes se apagava com a manga do casaco, ou com a caneta de aparo a molhar no tinteiro, em papel de vinte e cinco linhas, nem sempre era tarefa fácil perante a responsabilidade que isso nos exigia. Mesmo assim, e com todos os condicionalismos impostos, gostávamos do convívio, das brincadeiras e tínhamos muita vontade de rir porque sabíamos que não era prudente fazê-lo…

VILA BOA DO MONDEGO -Descrição Física -A CAPELA DE SANTO ANTÓNIO -anos 50

Situada no centro da aldeia em honra do Santo do mesmo nome não teve lugar de destaque nestes tempos que descrevemos nem sequer a Festa se celebrava todos os anos, no mês de Agosto, como pertencia. O Santo permanecia fechado a maior parte do ano atento ou indiferente às brincadeiras das crianças que, no alpendre da Capela, se abrigavam da chuva e do calor, nos intervalos da escola e às conversas dos homens que, em horas de lazer, conversavam sentados nos bancos de pedra ali existentes. Porém, se os mordomos se empenhavam e a Festa se realizava era uma alegria para todos e, decerto, para o Santo também. O programa era diversificado e preenchia o dia inteiro prolongando-se pela noite: havia missa, procissão com o andor primorosamente enfeitado, foguetes, baile com música de concertina, arrematação de ofertas e romaria. Esta era, com efeito, a parte mais divertida graças à participação dos pastores da aldeia e quintas das proximidades que caprichavam na ornamentação dos chifres das ovelhas e carneiros. Era um corrupio em volta da capela e o gado, que não tinha sido ensaiado, não se enganava nas voltas ou não soubesse o pastor como devia actuar.
Nos restantes dias do ano apenas se ouvia o toque fraquinho da sineta para convidar à reza do terço ou à catequese.

Contudo, não deixaremos que permaneça a ideia da ausência de movimento nas imediações da Capela. O Largo de Santo António, com o secular freixo ali ao lado, era centro de passagem, paragem e conversa. E, porque a escola era mesmo ali, mais vida ainda se fazia sentir.

VILA BOA DO MONDEGO- A IGREJA MATRIZ-Anos 50

Construída em granito,com o seu campanário a proteger o pesado sino de bronze, era circundada pelo adro onde cresciam alecrins, buxos, lilases, oliveiras, roseiras e outras plantas. Esporadicamente, alguém tinha o cuidado de o pretender ajardinar, mas a natureza do solo a isso não se prestava e deixava de constituir uma preocupação.
O interior da igreja era acolhedor. A imagem de S. Salvador, que muita gente desconhecia ser o Padroeiro da localidade, mantinha-se em lugar de destaque sobre o altar-mor que, nesta data, se encontrava fixo e fazia parte do todo arquitectónico que decorava a parede frontal. A meio desta, ocultado por uma cortina de seda, ficava o Sacrário que, quando aberto pelo sacerdote, inspirava um sentimento de veneração que a todos fazia baixar a cabeça, em adoração. Os dourados proliferavam fazendo realçar, ao fundo, uma pintura azul, ponteada de estrelinhas amarelas, como se de um pedaço de céu se tratasse. Os vasos de cobre, de diferentes tamanhos, ostentavam sempre flores naturais muitas vezes colhidas no campo. Dava gosto vê-los a brilhar depois de areados e puxado o lustro com um pano! Os castiçais, também dourados, suportavam velas de cera introduzidas numa vela grande artificial, do próprio castiçal. Ora, acontecia que, por vezes, a vela verdadeira chegava ao fim e se apagava no decorrer da missa ou outro acto litúrgico. Lá ia o sacristão proceder à devida reposição seguido dos olhares de todos os presentes que, por momentos, desligavam da concentração das frases em latim que, recitadas de cor, não compreendiam.
A parte da celebração, reservada ao padre e ao sacristão, estava separada dos paroquianos por um arco de granito que, durante muitos anos, se manteve pintado de branco, até que o pároco, no âmbito de uma pequena remodelação, entendeu por bem mandar retirar a tinta e restituir a nudez inicial da pedra o que não foi do agrado de todos. Mais quatro altares, do lado direito o de Nossa Senhora de Fátima e o da Senhora do Rosário e do lado esquerdo um com o Cristo Crucificado e outro com o Sagrado Coração de Jesus, não esquecendo a imagem pequenina do Menino Jesus que, do alto da sua mísula, levantava o bracinho e a todos sorria com ar benigno, contribuíam para estabelecer o ambiente sacro deste lugar de culto.
A imagem mais recente, de São José com o Menino ao colo, foi encontrada na Sacristia sem ninguém saber da sua proveniência. A notícia depressa se espalhou, mas antes de se crer em milagre já corriam rumores de quem a lá tinha colocado para pagar alguma promessa ou simplesmente aumentar o património religioso.
Do lado esquerdo, saliente da parede, o púlpito ajudava somente na decoração pois não consta que alguma vez tivesse sido utilizado para pregações. Por cima da entrada principal da igreja, sobre o guarda-vento, localizava-se o Coro protegido por uma grade de madeira onde os homens se alinhavam e encostavam para assistir à missa.
A Pia Baptismal, logo à entrada, detendo uma pintura representando o baptismo de Cristo no rio Jordão, acolheu-nos a todos ainda de tenra idade, porque havia a preocupação de não retardar o Baptismo não fosse acontecer alguma fatalidade.
O Confessionário, embora apenas uma vez no ano funcionasse em pleno, marcava o seu lugar e lembrava que estava ali apto a cumprir a sua missão.
O mobiliário, propriamente dito, a custo se mantinha alinhado dos dois lados da coxia porque a madeira estava velha e empenada com o passar dos anos. Havia ainda, a título pessoal, uns três genuflexórios (estrados com encosto para ajoelhar e orar) que, por graça, nós utilizávamos quando ninguém nos via.
A meio da igreja, suspenso do tecto por uma longa corrente, impunha-se um grande lustre de vidro, sem qualquer utilização prática, que atrapalhava sempre a passagem dos andores e das lanternas.
O toque do sino, com formas de comunicação distintas, ouvia-se em toda a povoação e arredores. Aos Domingos, o primeiro toque anunciava que havia missa. Um segundo toque significava que o Pároco, que se deslocava de Celorico da Beira, tinha chegado e um terceiro queria dizer que a celebração estava prestes a começar o que fazia apressar os que, por norma, ainda tiveram algum trabalho para ser feito.Nos dias de festa, o sino tovava mais vezes e repicava (dava sons repetidos)quando a procissão, ao recolher, percorria o adro e em nenhuma outra ocasião aquele som penetrava tão fortemente nos nossos ouvidos. Mais suave e cadenciado era o toque das Avé-Marias que, diariamente, alguém à tardinha providenciava, quase ao pôr do sol. Teoricamente, pedia aos camponeses que terminassem ou adiassem os seus afazeres mas, na realidade, embora se descobrissem (os homens tirassem o chapéu), a verdade é que o serviço continuava até ao anoitecer. Triste e dolorosa era a mensagem nostálgica quando alguém falecia: três toques seguidos, um toque, três toques seguidos, outro toque e assim sucessivamente tocava "a sinais" para que se soubesse que um deles nos tinha deixado para sempre...Com menos frequência, felizmente, também o sino se fazia ouvir, desatinada e descontroladamente, impulsionado por qualquer mão aflita a pedir socorro num caso de incêndio em casa ou pinhal.E nós, que bem cedo aprendemos a descodificar estes toques, subíamos a escadaria de pedra, sentávamo-nos juntinho ao sino, agarrávamos o badalo com a mãozita, mas com o cuidado preciso para não o fazer tocar!
Anexa à Igreja ficava a Sacristia onde uma grande e robusta cómoda guardava os paramentos, as toalhas dos altares, as bandeiras dobradas, o cálice e a patena (disco metálico que serve para cobrir o cálice), os corporais (rectângulos de pano branco que se colocam sobre o altar), os sanguíneos (panos brancos para limpar o cálice), as galhetas para o vinho e a água, os Missais e outros artigos religiosos. havia ainda uma divisão contígua à Sacristia, a chamada casa da fábrica, destinada a arrumação onde a desarrumação era total, pois aí se depositava tudo o que não servia mas podia vir a fazer falta.
Era assim a Casa de Deus, a Igreja de Vila boa do Mondego, a Igreja dos nossos tempos de infância. Nas nossas almas de criança, nada era era como aqui é descrito. O encantamento não tinha dimensão e aquela era, sem dúvida, a mais bela Igreja do mundo!

sábado, 30 de maio de 2009

VILA BOA DO MONDEGO - Descrição Física da aldeia - Década de 50 (Continuação)

Algumas habitações possuíam um único piso, sem janelas, podendo, no entanto, haver um postigo que deixava passar alguma claridade. A porta de entrada que, durante o dia quase sempre se mantinha aberta, era resguardada por uma meia porta segura por uma taramela (peça de madeira que gira em volta de um prego) onde nos dependurávamos num balançar ritmado de abrir e fechar.
O mais comum era a existência de uma cozinha, onde também se comia, com a respectiva pilheira (duas pedras ao alto e outra transversal debaixo da qual se acendia o lume) e a cantareira encimada por prateleiras normalmente enfeitadas com tiras de jornal a fazer rendilhado. Uma pequena mesa, que tinha forçosamente que ser baixa, porque os bancos assim o determinavam, encostada à parede para deixar mais espaço, raramente cumpria a sua missão porque era mais prático pegar no prato ou na malga e puxar o banco para junto da fogueira. Tanto mais que a panela de ferro continuava no seu posto e estava mesmo à mão...
Certas cozinhas, com apenas umas telhas levantadas em lugar de chaminé eram, à noite, um mundo negro de meter respeito e quase medo! Tudo era preto, invisível e, como tantas vezes acontecia, a lenha que se queimava era verde, custava a arder e não havia maneira de evitar que os olhos ardessem antes e não parassem de chorar. A luz da candeia de petróleo e a chama dos paus ou das cavacas que ardiam pouco minoravam aquela escureza. Se alguém chamava à porta, entre a escuridão da rua e a negrura do interior, era pela voz que se reconhecia e, de imediato, se tratava pelo nome. E nós, na idade de tudo aprender, facilmente compreendíamos a verdadeira diferença entre o dia e a noite, da lenha seca da verde ou molhada, das paredes brancas das tisnadas...e tantas outras!
A sala, em soalho de tábuas largas de madeira, contendo mesa, cadeiras e, em alguns casos guarda-louça, era utilizada para receber as visitas, nos dias festivos e na Visita Pascal sendo, para tal, cuidadosamente arrumada e limpa. O chão, esfregado de joelhos, com os nós da madeira a formar desenhos, cheirava a sabão durante uns dias. E os cheiros da nossa infância perduram para sempre!
Dos quartos, em número de um ou dois, pouco há a dizer: o leito de ferro, uma mesinha de cabeceira ou uma cadeira em seu lugar, uma cómoda em alguns casos e um lavatório, às vezes. Eram utilizados apenas para dormir e o mais importante era a palha do clochão não estar muito moída para não fazer covas e deixar descansar o corpo. no Inverno, o uso do cobertor de papa e das mantas de farrapos faziam esquecer os lençóis que só retardavam o aquecer e o adormecer. O número de quartos, por casa, quase nunca era proporcional ao número de filhos, mas improvisar era apanágio de socorrer necessidades e as tarimbas, com umas tábuas e uns pregos, resolviam o problema.
Havia famílias que dispunham de um pátio onde se localizava a adega, os potes de azeite, o forno, o lagar, o alambique e a salgadeira (caixa de madeira para salgar o porco).
Vem-nos à memória outro tipo arquitectónico de construção de meia dúzia de casas. Eram as mais vistosas da aldeia! As maiores, as que tinham chaminé, janelas grandes, andar cimeiro com varandim...numas delas até havia um anexo de madeira que devia dar imenso jeito em horas mais apertadas!
Escusado será referir que, nesta época, as fontes de energia eram o calor do sol, a chama das fogueiras e dos candeeiros de petróleo; a água das fontes transportada em cântaros de barro, à cabeça, sobre uma rodilha de trapos. Por isso, era de bom senso não deixar cair a noite sem ter água no cântaro e lenha no canto...
Dizia o saber popular que, quem não poupa a água e a lenha
Não poupa outra coisa que tenha.
O que era deveras relevante é que em todas estas casas fervilhava vida! As famílias eram numerosas, os telhados fumegavam, as conversas e as discussões ouviam-se nas ruas e as preocupações e aspirações deviam ser comuns. Mas nós, tão crianças, só viamos o que podia ser visto: um aglomerado de casas que formava a nossa aldeia, o lugar da nossa meninice, onde éramos felizes!

sexta-feira, 1 de maio de 2009

VILA BOA DO MONDEGO -Descrição Física da aldeia

Ao percorrer, aproximadamente, cinco quilómetros na antiga estrada nacional 116, no sentido Celorico da Beira Fornos de Algodres, depois da curva entre as Nogueiras, deparávamos com um aglomerado horizontal de casas que se estendia desde a Ponte ao Cemitério. VILA BOA DO MONDEGO à vista ! A cor predominante era o cinzento escuro do granito rude e natural, arrancado àqueles penedos imponentes que ali tão próximo se mantinham e havia sido utilizado para a grande maioria das construções das casas. Diziam que, no maior desses rochedos, o Penedo da Pomba, vivia uma moura encantada que não se deixava ver...

Podemos referir uma rua principal que, não tendo nome, começava no Eirô, passava pelo Largo de Santo António, Largo do Malvar, descia o íngreme Outeiro em direcção ao Forno e Largo das Linguarudas e terminava na Igreja. Desta artéria, que possibilitava percorrer toda a povoação, partiam as outras pequenas ruas, ruelas e becos que, como o do Canto, não tinham saída. Apenas uma dessas derivações era conhecida pelo nome de Geringota e era muito útil, para atalhar caminho, nas procissões, porque nem todos se atreviam a descer o Outeiro com sapatos de festa !

O pavimento das ruas, ligeiramente arqueado, era feito de gogos ( calhaus rolados ) terminando nas partes laterais em valetas que permitiam que as águas pluviais tivessem um leito próprio. Era frequente a existência de pedras compridas, de forma irregular que, colocadas nas ruas, junto às paredes, desempenhavam múltiplas funções : descanso, convívio, depósito de alfaias agrícolas e cestas com produtos hortícolas. Quem tivesse a sorte de ter uma destas pedras junto à sua casa era inevitável quedar-se nela antes de entrar, pois havia sempre um pretexto para o fazer.

Uma superfície considerável das ruas era ocupada por balcões (escadas ) talhados em granito, quase sem emendas, que possibilitava o acesso à parte habitacional das casas havendo um piso térreo que podia servir de arrecadação ou dormida dos rebanhos em alguns casos. O alojamento do porco, burro e cavalo encontrava-se muito próximo e a capoeira das galinhas reduzia-se a uns paus toscos que, assentes no chão e metidos nos buracos das paredes, com umas giestas negrais a servir de tecto, era o bastante para pernoitar.



Ruas da nossa aldeia ! Onde decorreu uma parte tão significativa da nossa infância ! Onde todos se conheciam e a vida ia acontecendo sem pressas...

Só nós, as crianças, é que corríamos à procura dos sítios mais adequados às brincadeiras que nós próprias inventávamos...

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Vila Boa do Mondego ___Memórias ___Anos cinquenta



Comunidade rural, com uma estrutura sócio-económica constituída por pequenos agricultores em terras próprias ou arrendadas. Podemos ainda incluir os assalariados, de forma temporária, e os que cultivavam as terras de meias (produto obtido dividido em partes iguais para o dono e para si) ou de terças (ficando duas partes para o dono da terra e uma para o cultivador).

Da terra tudo provinha: o trabalho, o descanso, o sustento, a harmonia, a inquietação, as rivalidades, os interesses, os desentendimentos familiares… porque todos eram camponeses ou pastores, sendo a agricultura e a pastorícia as únicas actividades económicas existentes na década de cinquenta.
As duas margens da ribeira, em pequenas parcelas de terreno, eram escrupulosamente cultivadas e todas as primaveras se vestiam de tonalidades de verde, de acordo com a sementeira da batata, do milho, do feijão e das courelas das couves e dos nabos… a ribeira, ladeada de amieiros, era a razão de ser daquela área de cultivo por excelência. Abastecia os poços de engenho que a maioria das fazendas (terrenos de cultivo) possuía, onde burros ou cavalos, à custa de consecutivas voltas circulares, faziam mover os alcatruzes que despejavam a água que, com algum saber, era conduzida, com um sacho, por sulcos cada vez mais estreitos de forma a irrigar toda a plantação. A rega era um trabalho agradável, refrescante por ser no tempo quente e por se fazer descalço…o pior era quando o animal parava por estar cansado ou tonto, se bem que andasse de cabeça tapada, e era preciso tocá-lo…normalmente éramos nós, os mais pequenos, que também tínhamos tarefas a desempenhar.
Feitas estas colheitas, os mesmos campos, num verde mais uniforme, serviam de pasta gem para os rebanhos no período de Inverno. E era lindo de ver aquelas manchas brancas e fofas calmamente espalhadas naquele tapete esverdeado! O Chão da Cruz, a Salgada, o Chão do Moinho, o Chão do Cano, o Chão da Ponte, o Chão da Nogueira e outros chãos produtivos à custa de um trabalho persistente e alheio aos rigores do tempo.
Havia ainda, numa zona sobranceira à aldeia, perdidos entre pinhais densos e abundantes, outros pequenos campos de cultivo que subsistiam graças a nascentes cuja água se deixava acumular para ser utilizada periodicamente. Era comum ouvir dizer: “fui deitar a água à Ladeira, às Poças, ao Cabecinho, ao Chão do Poço, ao S.Martinho ao Chão da Cancela…
Tratava-se de uma agricultura de subsistência da qual, em anos mais produtivos, a venda da batata poderia reverter em algum rendimento. Convinha, para tal, que a semente fosse nova e, de preferência, vinda de Montalegre como se dizia.
A área florestal, constituída essencialmente por pinheiro bravo, era a perder de vista. Os madeireiros e os resineiros sabiam localizar o Pendão,o Moirelo, o Vale de Grou e as Alvagadas. E, quando era necessário fazer a contagem das bicas (pinheiros sangrados para extrair resina) ou apanhar míscaros (espécie de cogumelo), havia algumas precauções a tomar relacionadas com a distância, o isolamento, a desorientação e o anoitecer precoce naquelas paragens.

A produção de queijo constituía, em pequena escala, uma fonte de receita proveniente dos mercados de Celorico da Beira e Fornos de Algodres onde os queijeiros (compradores de queijo) conseguiam negociar, a seu jeito, o resultado de uma labuta árdua e artesanal. Curiosamente, o queijo não fazia parte dos hábitos alimentares de então: quem o tinha vendia-o; quem o não tinha, não o comprava…só o cheiro intenso perdurava…
Excepcionalmente, em dias assinalados, como a Páscoa ou aquando de alguma visita vinda de fora, se comeria ou daria a comer, duro, bem duro para render mais…
_ «Ó mãe, pão com queijo é tão bom!
_ Comeste, meu filho?
_ Não, mas vi comer!

Mas, o soro (parte aquosa que se separa do leite depois de coalhado), fervido numa caldeira em cima da trempe, sobre o lume, era uma delícia! Isso sim, fazia parte da alimentação e, com uns pedaços de pão e umas colheres de açúcar, era uma refeição completa.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Memórias de infância

São vivências ...
páginas gravadas
num colorido suave
que o tempo faz avivar!
Aumenta a tonalidade
e vem a saudade...

A nossa identidade está implicitamente ligada à terra onde nascemos e crescemos, de uma forma completamente aleatória à nossa vontade. Considerando-nos, ou não, cidadãos do mundo,numa conjuntura actual de sociedade,o certo é que permanecemos associados a um nome de cidade, vila,aldeia ou lugar que, oficialmente, consta da nossa identificação.
Podemos correr mundo,temporária ou definitivamente, que levaremos connosco um historial que sustentará toda a nossa vida.
Apraz-me pensar na minha pequena aldeia. Nos meus tempos de menina em que ia acumulando saberes do quotidiano rural numa envolvência saudável com todas as pessoas que, de uma forma ou de outra, viviam em ambiente comunitário.
São evidentes os progressos que, actualmente, podemos constatar e, substancialmente,contribuíram para melhorar as condições de vida de quem lá permanece.
No entanto,é o viver de há meio século que perdura no meu pensamento e presumo interessante num contexto geográfico, social,religioso, económico e político.
Situada no sopé da Serra da Estrela, Vila Boa do Mondego é a minha terra natal que, por ser a minha, é diferente e especial nos meus afectos e no meu sentir.
São relatos da minha infância que gostaria de partilhar com todos os que, independentemente do lugar onde se encontrem, possam identificar esta aldeia como sendo a sua.