Algumas habitações possuíam um único piso, sem janelas, podendo, no entanto, haver um postigo que deixava passar alguma claridade. A porta de entrada que, durante o dia quase sempre se mantinha aberta, era resguardada por uma meia porta segura por uma taramela (peça de madeira que gira em volta de um prego) onde nos dependurávamos num balançar ritmado de abrir e fechar.
O mais comum era a existência de uma cozinha, onde também se comia, com a respectiva pilheira (duas pedras ao alto e outra transversal debaixo da qual se acendia o lume) e a cantareira encimada por prateleiras normalmente enfeitadas com tiras de jornal a fazer rendilhado. Uma pequena mesa, que tinha forçosamente que ser baixa, porque os bancos assim o determinavam, encostada à parede para deixar mais espaço, raramente cumpria a sua missão porque era mais prático pegar no prato ou na malga e puxar o banco para junto da fogueira. Tanto mais que a panela de ferro continuava no seu posto e estava mesmo à mão...
Certas cozinhas, com apenas umas telhas levantadas em lugar de chaminé eram, à noite, um mundo negro de meter respeito e quase medo! Tudo era preto, invisível e, como tantas vezes acontecia, a lenha que se queimava era verde, custava a arder e não havia maneira de evitar que os olhos ardessem antes e não parassem de chorar. A luz da candeia de petróleo e a chama dos paus ou das cavacas que ardiam pouco minoravam aquela escureza. Se alguém chamava à porta, entre a escuridão da rua e a negrura do interior, era pela voz que se reconhecia e, de imediato, se tratava pelo nome. E nós, na idade de tudo aprender, facilmente compreendíamos a verdadeira diferença entre o dia e a noite, da lenha seca da verde ou molhada, das paredes brancas das tisnadas...e tantas outras!
A sala, em soalho de tábuas largas de madeira, contendo mesa, cadeiras e, em alguns casos guarda-louça, era utilizada para receber as visitas, nos dias festivos e na Visita Pascal sendo, para tal, cuidadosamente arrumada e limpa. O chão, esfregado de joelhos, com os nós da madeira a formar desenhos, cheirava a sabão durante uns dias. E os cheiros da nossa infância perduram para sempre!
Dos quartos, em número de um ou dois, pouco há a dizer: o leito de ferro, uma mesinha de cabeceira ou uma cadeira em seu lugar, uma cómoda em alguns casos e um lavatório, às vezes. Eram utilizados apenas para dormir e o mais importante era a palha do clochão não estar muito moída para não fazer covas e deixar descansar o corpo. no Inverno, o uso do cobertor de papa e das mantas de farrapos faziam esquecer os lençóis que só retardavam o aquecer e o adormecer. O número de quartos, por casa, quase nunca era proporcional ao número de filhos, mas improvisar era apanágio de socorrer necessidades e as tarimbas, com umas tábuas e uns pregos, resolviam o problema.
Havia famílias que dispunham de um pátio onde se localizava a adega, os potes de azeite, o forno, o lagar, o alambique e a salgadeira (caixa de madeira para salgar o porco).
Vem-nos à memória outro tipo arquitectónico de construção de meia dúzia de casas. Eram as mais vistosas da aldeia! As maiores, as que tinham chaminé, janelas grandes, andar cimeiro com varandim...numas delas até havia um anexo de madeira que devia dar imenso jeito em horas mais apertadas!
Escusado será referir que, nesta época, as fontes de energia eram o calor do sol, a chama das fogueiras e dos candeeiros de petróleo; a água das fontes transportada em cântaros de barro, à cabeça, sobre uma rodilha de trapos. Por isso, era de bom senso não deixar cair a noite sem ter água no cântaro e lenha no canto...
Dizia o saber popular que, quem não poupa a água e a lenha
Não poupa outra coisa que tenha.
O que era deveras relevante é que em todas estas casas fervilhava vida! As famílias eram numerosas, os telhados fumegavam, as conversas e as discussões ouviam-se nas ruas e as preocupações e aspirações deviam ser comuns. Mas nós, tão crianças, só viamos o que podia ser visto: um aglomerado de casas que formava a nossa aldeia, o lugar da nossa meninice, onde éramos felizes!