terça-feira, 22 de junho de 2010

Estrada Nacional Nº 16 - Foto Actual - Vila Boa do Mondego

                                                  Sem grandes alterações
                                                  Na paisagem envolvente
                                                  Se vivem recordações
                                                  Do tempo de antigamente.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O Cantoneiro - Anos 50/60 - Vila Boa do Mondego

A evocação deliberada destas memórias centra-se, essencialmente, sobre pessoas cujos nomes tão bem retemos. De umas nos recordamos claramente localizando-as nas ruas, de enxada às costas ou de cesta à cabeça, a descansar nas soleiras das portas, a remendar peças de vestuário, a jogar as cartas na Taberna; outras, porém, por coincidirem com o início da nossa meninice, apresentam-se difusas e restritas a um ou outro lugar. Neste caso se inclui um Cantoneiro ( empregado de conservação e limpeza de um cantão, de estrada). Avançado na idade, há muito tempo deixara de trabalhar passando os dias ensoleirados sentado numa cadeira, junto à casa, a ver-nos brincar no caminho do Cruzeiro ou na cova do barro com os três filhos que, tardiamente, tivera. Sabíamos que tinha sido Cantoneiro e, sem discernirmos no que consistia esta profissão, prevalecia a ideia que era não trabalhar no campo a tempo inteiro. Mais tarde, porque outro Cantoneiro existiu e o nosso entendimento se aperfeiçoou, constatámos ser uma ocupação diferente, com horário estabelecido, remuneração certa, farda própria acinzentada e chapéu de abas largas, usufruindo de privilégios que a generalidade dos residentes não possuía.


Esta actividade, exercida na Estrada Nacional  nº 16, mais propriamente no troço entre Celorico da Beira e Fornos de Algodres, consistia em reparar covas, limpar valetas e aquedutos, sachar e ancinhar as bermas, demover árvores tombadas, plantar outras, cortar e desbastar as clúvias que efusivamente alastravam, pintar os marcos de sinalização, evitar incêndios, ajardinar os locais providos de fontes, facilitando a deslocação dos transportes rodoviários e amenizando a circulação dos transeuntes para Feiras e Mercados. Arrumada a um canto do subconsciente ainda permanece a imagem da máquina preta com a fornalha ardente a expelir fumo fazendo derreter o alcatrão que, derramado sobre o entulho que preenchia os buracos, uniformizava o tapete da via. Era bem mais aprazível caminhar ou passear ladeando a estrada do que calcorrear carreiros esburacados, rompendo entre silvados, para chegar à Tapada do Senhor, ao Martinel ou às Enguias!

As circunstâncias do trabalho conferiam ao Cantoneiro formas específicas de socialização e aquisição de conhecimentos: contactava com gente de outras paragens, dava informações, inspirava segurança… desenvolvendo uma concepção do mundo rolando sobre rodas accionadas por motores que, consequentemente, haveria de diferir da obtida através da locomoção quadrúpede e rodas de madeira que, no viver da aldeia, se fazia.

Além do mais, na análise reflectida implícita na descrição destas memórias, valoriza-se a localização geográfica da nossa terra beneficiando da Estrada Nacional como abertura de novos horizontes de tal modo que, cortando à direita ou à esquerda, se tomaram rumos percorrendo quilómetros, atravessando fronteiras e sobrevoando Oceanos.

terça-feira, 8 de junho de 2010

O Barbeiro - Anos 50/60- Vila Boa do Mondego

A barbearia que mais propriamente correspondia aos parâmetros da época, situava-se no largo do Soalheiro. Era um espaço pequeno onde a cadeira de barbeiro rotativa sobressaía entre os bancos corridos encostados às duas paredes laterais. Frente à porta, um espelho grande reflectia os rostos masculinos marcando a nítida diferença do antes e do depois. Na verdade, a grande maioria dos homens, preocupados com o trabalho da lavoura despreocupavam-se com o crescer da barba durante a semana e, só ao Sábado depois do sol posto, entravam na barbearia. O que valia era a espuma espessa de sabão, abundantemente espalhada na cara, com um pincel, e a navalha permanentemente afiada, para desfazer a barba de oito dias que, em movimentos regulares, era depositada no limpa – navalhas que, de vez em quando, era descarregado em folhas de jornais. Por vezes, a perícia do barbeiro não conseguia evitar pequenos cortes que, desinfectados com álcool, mal se notavam no dia seguinte. A pequena sala enchia-se. O trabalho ia-se acumulando sempre que um ou outro freguês também cortava o cabelo. A espera também fazia parte e as conversas constituíam uma fonte de informação das ocorrências locais e arredores, não sendo relevante a falta de actualização. O barbeiro parecia que sabia tudo: sabia ouvir e comunicar, corrigir a informação e deixar os outros falar. O seu desempenho e presença, tornavam-se, por isso, imprescindíveis. Durante a semana, em dias certos, deslocava-se às Quintas dos lavradores para exercer as suas funções levando na caixa de madeira os apetrechos necessários.


Possivelmente, também as pontas dos nossos cabelos caíram no chão desta barbearia, pois era preciso cortá-las amiúde para ficarem mais fortes. Mais fortes foram também as aspirações do barbeiro que fechou a porta e partiu para o Brasil.

Outra barbearia abriu, numa sala improvisada por baixo do Salão, no Santo António, onde pai e filho exerceram a mesma profissão. O pai, mais vocacionado para as lides agrícolas, sendo reconhecido como enxertador experiente, de pouco tempo dispunha. O filho, apostando noutras capacidades latentes, cedo reconheceu que os cortes das barbas e dos cabelos, se bem que rejuvenescessem fisionomias, não eram suficientes para governar a vida e emigrou para França. Com ele se passou este episódio curioso que, ao tempo, ouvimos contar:

Entrando, certo dia, na Taberna segurando na mão a maleta de barbeiro, após ter visitado um freguês numa Quinta, alguém de modo zombeteiro lhe perguntara:
- A como vendes a grama? ( Insinuando a comparação com os ourives ambulantes).
- Prontamente, o jovem barbeiro lhe respondeu:
- A quanto você gramar!

Provavelmente, este nosso amigo já não se recorda desta ocorrência e muito menos da pessoa que o interpelou. Com receio de ferir susceptibilidades evitamos referir nomes, conscientes do valor acrescido que estas memórias poderiam ter. Porque os nomes das pessoas dão vida às narrações, atestam a veracidade dos factos e estabelecem maior cumplicidade no viver que partilhámos.