A CEIA DA CONSOADA decorria na cozinha, em virtude de ser a divisão mais aquecida da casa e não se justificar sair de lá. Os familiares, mesmo que aumentassem, cabiam bem e, além disso, o convívio já tinha começado. As duas panelas grandes de ferro que, anteriormente, amparavam o lume e ferviam “mentiras”, iam cozer as batatas, as couves tronchudas e o bacalhau que, bem regados com azeite, era de comer e chorar por mais! E, porque era Noite de Natal, tão diferente de todas as outras, podia haver arroz-doce para a sobremesa! Se algum vizinho, por mera amabilidade ou para retribuir um favor, achava por bem oferecer algum leite das suas ovelhas, era uma delícia para completar a Ceia!
Noite de Consoada um pouco atribulada aconteceu, certa vez, a uma das famílias da aldeia. Uma mensagem natalícia, vinda de uns conterrâneos imigrantes na América, abriu crédito na Taberna do sr. Pereira para proporcionar, em géneros adequados, uma Ceia condigna aos agregados familiares mais carenciados. Porém, não estando o organismo habituado a tanta abundância, pregou-lhes uma partida fazendo-os passar uma parte da noite de levante. Ora, como a família era numerosa e as idas ao pátio tão frequentes, acabaram por suscitar a curiosidade dos vizinhos visto que, de noite, qualquer barulho ou movimento era ampliado naquele sossego onde quase nada acontecia. Mas, como eram as diferenças que faziam as festas, também esta se integrou no âmbito festivo porque estômago vazio não dava ensejo a alegria e aquela noite tinha que ser alegre!
A meia-noite chegava depressa. Em algumas casas ouviam-se cânticos de Natal:
- Alegrem-se os Céus e a Terra
- Cantemos com alegria
- Já nasceu o Deus Menino
- Filho da Virgem Maria!
Sabíamos que, na nossa aldeia, esta noite pouco diferia de casa para casa. E, como sabíamos pouco, pensávamos que seria igual ou parecida no resto do mundo que, no fundo, nem tínhamos a certeza se existia.
E era muito fácil adormecer! Sentíamos à nossa volta um amor tão grande, uma abnegação tão profunda, uma mensagem de Natal tão verdadeira, que nos levavam a não desejar mais nada porque, confiantes, acreditávamos que já tínhamos tudo.
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