segunda-feira, 19 de julho de 2010

O Louceiro - Vendedor de louça de barro - Anos 50/60 - Vila Boa do Mondego

Gostávamos de o ver chegar, com o burro carregado de objectos de barro embrulhados em palha. Escolhia um recanto da rua e espalhava pelo chão o que tinha para vender ou trocar: cântaros, potes, bacias, tigelas, alguidares, pratos, púcaros, bilhas, jarras, caçoilas de ir ao forno, canecas, assadeiras, fogareiros… os mais variados objectos que em barro grosseiro se possam conceber. Havia também, em menor número, algumas peças vidradas ( cobertas por uma substância vitrificável) que, por serem mais caras, nem valia a pena perguntar o preço. Entretanto, algum amigo o convidava para visitar a adega e, conversa puxa conversa, se falava da queima da geada, do limpar das oliveiras, de acontecimentos em povoações vizinhas. As mulheres, desejosas de substituir a loiça esborcelada ( com bordas partidas), mexiam, pegavam, viravam, num contacto agradável e pouco comum de manusear objectos domésticos que nunca foram utilizados,…e poisavam-nos à medida que iam fazendo contas à vida. Pensando bem, podiam-se remediar até à Feira da Santa Eufêmia onde, pela quantidade da oferta, tudo havia de ser mais barato. Viravam costas sem, muitas vezes, dar ouvidos ao chamamento do louceiro que, precisando de vender, se conformava a não ganhar nada, como ele dizia. Verificando que, desta forma, não fazia negócio, tinha como alternativa, trocar louça por géneros: ao aceitar batatas, feijão, milho ou melancias, ia entregando louça, a mais que não fosse para aliviar a carga do animal. Passados dois ou três dias, sem perspectivas de melhores transacções, decidia-se a arrumar a louça e a percorrer outras aldeias numa vida ambulante em que a sorte seria igual.
Nós, que ainda nem tínhamos dez anos de idade e apenas compreendíamos a objectividade das coisas, ficávamos a pensar que a vida seria assim: uns chegavam e partiam, outros ficavam para sempre…como nós, à espera da próxima vinda do louceiro.

sábado, 17 de julho de 2010

Vila Boa do Mondego - Casas - Foto Actual

    Imagens que falam por si
  Isentas de contestação.
   Atestam modos de vida
         Dos tempos que já lá vão...

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O Amola - Tesouras - Anos 50/60 - Vila Boa do Mondego

Neste retorno ao passado, que o acto de escrever aviva mais, tornam-se presentes as vivências mais simples há muito adormecidas. Descrevê-las minuciosamente, de forma despretensiosa, permite galgar tempo e distância, voltar a ser criança e saborear o viver dos primeiros anos da nossa vida. Poder-se-á questionar a importância dos temas ou a pertinência dos factos, mas não os traços marcantes que ainda permanecem.
O Amola – Tesouras aparecia inesperadamente. A mesma indumentária coçada ( muito usada), larga e escura, o mesmo boné, os mesmos serviços.
Fazia-se anunciar pela gaita de beiços, num tom crescente e decrescente seguido do cantado pregão "amola tesouras e navalhas" que toda a gente identificava. Não tinha poiso certo; percorria as ruas deslocando a velha bicicleta onde estava montada a pedra de esmoril, que o pedal fazia rodar, bem como a caixa que armazenava o mais diversificado material: martelos, tesouras, alicates de pontas diferentes, arames, pregos, guarda - chuvas partidos, pedaços de panos velhos… e ia parando às portas de quem do seu ofício necessitava. Afiava tesouras, facas, navalhas, consertava guarda – chuvas substituindo varetas empenadas, colocando remendos ou um cabo novo.
Depressa dava a volta ao povo. Encostava a bicicleta, entrava na Taberna, mandava vir meio quartilho de vinho acabando por ali deixar os míseros tostões conseguidos. Quando o víamos partir, na direcção do Eirô, ouvíamos dizer aos mais entendidos que não tardaria a chover…

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O Caldeireiro - Artesão / Conserteiro - Anos 50/60 - Vila Boa do Mondego

Aparecia na aldeia, de tempos a tempos, permanecendo alguns dias. Dirigia-se ao largo da Taberna do Sr. Pereira e aí assentava arraial, convicto de que podia pernoitar no pátio anexo. Descarregava do burro as ferramentas necessárias e, munindo-se de uma sertã ( frigideira larga, de pouco fundo) presa a um martelo, dava a volta à aldeia produzindo o som dos dois instrumento agitados com uma só mão. Em seguida, ia fazendo tempo na Taberna bebendo uns copos e contando novidades. Calmamente, junto do comprido banco de pedra, retirava dos sacos as parcas ferramentas inerentes ao seu trabalho a que nós, de pé, assistíamos. Aos poucos, começavam a aparecer alguns utensílios domésticos para remendar: cântaros, regadores, panelas e tachos, baldes, almotolias, candeeiros…que, com o uso, se tinham furado. Não arredávamos pé dali, ansiosos por vê-lo iniciar o trabalho. As brasas acesas na lata velha e negra iriam aquecer o ferro de soldar que, fazendo derreter a solda, pingo a pingo ia tapando todos os buracos. Por vezes, aparecia quem trouxesse um prato, uma travessa ou terrina em dois ou três bocados; o desgosto manifestado quer pela antiguidade quer pela utilidade, levavam o artesão a colocar “gatos” ( espécie de ganchos metálicos) nas rachas para reunir as partes quebradas. As peças de cerâmica ficavam como novas, prontas para durar outro tanto tempo.
Embora não tivesse muita apetência para conversar, nós fazíamos-lhe companhia observando cada movimento e por ali ficávamos até que o nosso nome se fazia ouvir, sinal de que devíamos regressar a casa. Para apaziguar os ânimos, contávamos quem tinha dado serviço, como este tinha sido realizado, como parecia impossível ter remendado tantos furos neste ou naquele regador, como as brasas se aguentavam tanto tempo…enfim, repetíamos o que era por demais sabido cada vez que o Caldeireiro, a troco de uns escassos escudos, saídos do nó da ponta do lenço das mãos, prolongava o uso das vasilhas já gastas.