domingo, 31 de maio de 2009

VILA BOA DO MONDEGO- A IGREJA MATRIZ-Anos 50

Construída em granito,com o seu campanário a proteger o pesado sino de bronze, era circundada pelo adro onde cresciam alecrins, buxos, lilases, oliveiras, roseiras e outras plantas. Esporadicamente, alguém tinha o cuidado de o pretender ajardinar, mas a natureza do solo a isso não se prestava e deixava de constituir uma preocupação.
O interior da igreja era acolhedor. A imagem de S. Salvador, que muita gente desconhecia ser o Padroeiro da localidade, mantinha-se em lugar de destaque sobre o altar-mor que, nesta data, se encontrava fixo e fazia parte do todo arquitectónico que decorava a parede frontal. A meio desta, ocultado por uma cortina de seda, ficava o Sacrário que, quando aberto pelo sacerdote, inspirava um sentimento de veneração que a todos fazia baixar a cabeça, em adoração. Os dourados proliferavam fazendo realçar, ao fundo, uma pintura azul, ponteada de estrelinhas amarelas, como se de um pedaço de céu se tratasse. Os vasos de cobre, de diferentes tamanhos, ostentavam sempre flores naturais muitas vezes colhidas no campo. Dava gosto vê-los a brilhar depois de areados e puxado o lustro com um pano! Os castiçais, também dourados, suportavam velas de cera introduzidas numa vela grande artificial, do próprio castiçal. Ora, acontecia que, por vezes, a vela verdadeira chegava ao fim e se apagava no decorrer da missa ou outro acto litúrgico. Lá ia o sacristão proceder à devida reposição seguido dos olhares de todos os presentes que, por momentos, desligavam da concentração das frases em latim que, recitadas de cor, não compreendiam.
A parte da celebração, reservada ao padre e ao sacristão, estava separada dos paroquianos por um arco de granito que, durante muitos anos, se manteve pintado de branco, até que o pároco, no âmbito de uma pequena remodelação, entendeu por bem mandar retirar a tinta e restituir a nudez inicial da pedra o que não foi do agrado de todos. Mais quatro altares, do lado direito o de Nossa Senhora de Fátima e o da Senhora do Rosário e do lado esquerdo um com o Cristo Crucificado e outro com o Sagrado Coração de Jesus, não esquecendo a imagem pequenina do Menino Jesus que, do alto da sua mísula, levantava o bracinho e a todos sorria com ar benigno, contribuíam para estabelecer o ambiente sacro deste lugar de culto.
A imagem mais recente, de São José com o Menino ao colo, foi encontrada na Sacristia sem ninguém saber da sua proveniência. A notícia depressa se espalhou, mas antes de se crer em milagre já corriam rumores de quem a lá tinha colocado para pagar alguma promessa ou simplesmente aumentar o património religioso.
Do lado esquerdo, saliente da parede, o púlpito ajudava somente na decoração pois não consta que alguma vez tivesse sido utilizado para pregações. Por cima da entrada principal da igreja, sobre o guarda-vento, localizava-se o Coro protegido por uma grade de madeira onde os homens se alinhavam e encostavam para assistir à missa.
A Pia Baptismal, logo à entrada, detendo uma pintura representando o baptismo de Cristo no rio Jordão, acolheu-nos a todos ainda de tenra idade, porque havia a preocupação de não retardar o Baptismo não fosse acontecer alguma fatalidade.
O Confessionário, embora apenas uma vez no ano funcionasse em pleno, marcava o seu lugar e lembrava que estava ali apto a cumprir a sua missão.
O mobiliário, propriamente dito, a custo se mantinha alinhado dos dois lados da coxia porque a madeira estava velha e empenada com o passar dos anos. Havia ainda, a título pessoal, uns três genuflexórios (estrados com encosto para ajoelhar e orar) que, por graça, nós utilizávamos quando ninguém nos via.
A meio da igreja, suspenso do tecto por uma longa corrente, impunha-se um grande lustre de vidro, sem qualquer utilização prática, que atrapalhava sempre a passagem dos andores e das lanternas.
O toque do sino, com formas de comunicação distintas, ouvia-se em toda a povoação e arredores. Aos Domingos, o primeiro toque anunciava que havia missa. Um segundo toque significava que o Pároco, que se deslocava de Celorico da Beira, tinha chegado e um terceiro queria dizer que a celebração estava prestes a começar o que fazia apressar os que, por norma, ainda tiveram algum trabalho para ser feito.Nos dias de festa, o sino tovava mais vezes e repicava (dava sons repetidos)quando a procissão, ao recolher, percorria o adro e em nenhuma outra ocasião aquele som penetrava tão fortemente nos nossos ouvidos. Mais suave e cadenciado era o toque das Avé-Marias que, diariamente, alguém à tardinha providenciava, quase ao pôr do sol. Teoricamente, pedia aos camponeses que terminassem ou adiassem os seus afazeres mas, na realidade, embora se descobrissem (os homens tirassem o chapéu), a verdade é que o serviço continuava até ao anoitecer. Triste e dolorosa era a mensagem nostálgica quando alguém falecia: três toques seguidos, um toque, três toques seguidos, outro toque e assim sucessivamente tocava "a sinais" para que se soubesse que um deles nos tinha deixado para sempre...Com menos frequência, felizmente, também o sino se fazia ouvir, desatinada e descontroladamente, impulsionado por qualquer mão aflita a pedir socorro num caso de incêndio em casa ou pinhal.E nós, que bem cedo aprendemos a descodificar estes toques, subíamos a escadaria de pedra, sentávamo-nos juntinho ao sino, agarrávamos o badalo com a mãozita, mas com o cuidado preciso para não o fazer tocar!
Anexa à Igreja ficava a Sacristia onde uma grande e robusta cómoda guardava os paramentos, as toalhas dos altares, as bandeiras dobradas, o cálice e a patena (disco metálico que serve para cobrir o cálice), os corporais (rectângulos de pano branco que se colocam sobre o altar), os sanguíneos (panos brancos para limpar o cálice), as galhetas para o vinho e a água, os Missais e outros artigos religiosos. havia ainda uma divisão contígua à Sacristia, a chamada casa da fábrica, destinada a arrumação onde a desarrumação era total, pois aí se depositava tudo o que não servia mas podia vir a fazer falta.
Era assim a Casa de Deus, a Igreja de Vila boa do Mondego, a Igreja dos nossos tempos de infância. Nas nossas almas de criança, nada era era como aqui é descrito. O encantamento não tinha dimensão e aquela era, sem dúvida, a mais bela Igreja do mundo!