Comunidade rural, com uma estrutura sócio-económica constituída por pequenos agricultores em terras próprias ou arrendadas. Podemos ainda incluir os assalariados, de forma temporária, e os que cultivavam as terras de meias (produto obtido dividido em partes iguais para o dono e para si) ou de terças (ficando duas partes para o dono da terra e uma para o cultivador).
Da terra tudo provinha: o trabalho, o descanso, o sustento, a harmonia, a inquietação, as rivalidades, os interesses, os desentendimentos familiares… porque todos eram camponeses ou pastores, sendo a agricultura e a pastorícia as únicas actividades económicas existentes na década de cinquenta.
As duas margens da ribeira, em pequenas parcelas de terreno, eram escrupulosamente cultivadas e todas as primaveras se vestiam de tonalidades de verde, de acordo com a sementeira da batata, do milho, do feijão e das courelas das couves e dos nabos… a ribeira, ladeada de amieiros, era a razão de ser daquela área de cultivo por excelência. Abastecia os poços de engenho que a maioria das fazendas (terrenos de cultivo) possuía, onde burros ou cavalos, à custa de consecutivas voltas circulares, faziam mover os alcatruzes que despejavam a água que, com algum saber, era conduzida, com um sacho, por sulcos cada vez mais estreitos de forma a irrigar toda a plantação. A rega era um trabalho agradável, refrescante por ser no tempo quente e por se fazer descalço…o pior era quando o animal parava por estar cansado ou tonto, se bem que andasse de cabeça tapada, e era preciso tocá-lo…normalmente éramos nós, os mais pequenos, que também tínhamos tarefas a desempenhar.
Feitas estas colheitas, os mesmos campos, num verde mais uniforme, serviam de pasta gem para os rebanhos no período de Inverno. E era lindo de ver aquelas manchas brancas e fofas calmamente espalhadas naquele tapete esverdeado! O Chão da Cruz, a Salgada, o Chão do Moinho, o Chão do Cano, o Chão da Ponte, o Chão da Nogueira e outros chãos produtivos à custa de um trabalho persistente e alheio aos rigores do tempo.
Havia ainda, numa zona sobranceira à aldeia, perdidos entre pinhais densos e abundantes, outros pequenos campos de cultivo que subsistiam graças a nascentes cuja água se deixava acumular para ser utilizada periodicamente. Era comum ouvir dizer: “fui deitar a água à Ladeira, às Poças, ao Cabecinho, ao Chão do Poço, ao S.Martinho ao Chão da Cancela…
Tratava-se de uma agricultura de subsistência da qual, em anos mais produtivos, a venda da batata poderia reverter em algum rendimento. Convinha, para tal, que a semente fosse nova e, de preferência, vinda de Montalegre como se dizia.
A área florestal, constituída essencialmente por pinheiro bravo, era a perder de vista. Os madeireiros e os resineiros sabiam localizar o Pendão,o Moirelo, o Vale de Grou e as Alvagadas. E, quando era necessário fazer a contagem das bicas (pinheiros sangrados para extrair resina) ou apanhar míscaros (espécie de cogumelo), havia algumas precauções a tomar relacionadas com a distância, o isolamento, a desorientação e o anoitecer precoce naquelas paragens.
A produção de queijo constituía, em pequena escala, uma fonte de receita proveniente dos mercados de Celorico da Beira e Fornos de Algodres onde os queijeiros (compradores de queijo) conseguiam negociar, a seu jeito, o resultado de uma labuta árdua e artesanal. Curiosamente, o queijo não fazia parte dos hábitos alimentares de então: quem o tinha vendia-o; quem o não tinha, não o comprava…só o cheiro intenso perdurava…
Excepcionalmente, em dias assinalados, como a Páscoa ou aquando de alguma visita vinda de fora, se comeria ou daria a comer, duro, bem duro para render mais…
_ «Ó mãe, pão com queijo é tão bom!
_ Comeste, meu filho?
_ Não, mas vi comer!
Mas, o soro (parte aquosa que se separa do leite depois de coalhado), fervido numa caldeira em cima da trempe, sobre o lume, era uma delícia! Isso sim, fazia parte da alimentação e, com uns pedaços de pão e umas colheres de açúcar, era uma refeição completa.