domingo, 13 de dezembro de 2009

A Visita Pascal - Anos 50/60 - Vila Boa do Mondego

Ao começo da tarde do Domingo de Páscoa, iniciava-se a Visita Pascal cuja comitiva era presidida pelo Pároco, um homem que levava a Cruz, outro que transportava a caldeirinha da água benta, mais um que, num saquinho, recolhia as ofertas e um rapazote que, sempre à frente, fazia tilintar a campainha para anunciar a chegada.
As casas, limpas e enfeitadas com flores em jarras sobre as mesas, mantinham as portas abertas e era na rua que se esperava, à medida que os familiares iam chegando. No momento certo, as pessoas dirigiam-se para a sala, acomodando-se como podiam, ficando o dono da casa mais próximo da entrada. O senhor padre, aspergindo água benta com o braço bem levantado, proferia a Boa Nova: “Cristo ressuscitou! Aleluia! Aleluia”! E todos respondíamos: “Aleluia! Aleluia”! Em seguida, o chefe de família beijava a Cruz seguido pelos presentes. A visita era rápida o que originava alguma aceleração para se poder estar na casa de todos os familiares. Nós, os mais novos, éramos os últimos a beijar a Cruz e os primeiros a sair para, a correr, nos deslocarmos para a casa da avó, da tia ou da prima e, sem grande cerimónia, metermos na boca mais uma amêndoa branca ou cor-de-rosa que depressa trincávamos prontos para repetir o ritual.
A tarde passava num abrir e fechar de olhos! E quando começava a anoitecer, recolhíamos a casa onde, sentados à volta da fogueira, revivíamos aquele dia tão preenchido, tão diferente, tão de festa e, volta e meia, comíamos mais um biscoito enquanto se preparava a ceia que não nos importávamos que fossem as sobras do jantar.

Domingo de Páscoa - Anos 50/60 - Vila Boa do Mondego

“ Cristo ressuscitou! Aleluia!”
Era um dia cheio de alegria e de esperança, com raios de sol a entrar pelas estreitas janelas da Igreja a juntarem-se às luzes das velas acesas em todos os altares onde vasos de flores e toalhas brancas davam aos Santos um ar mais divino e feliz.
Na capela – mor as Bandeiras (estandartes), o Pálio ( sobrecéu portátil que se leva nas procissões para cobrir o sacerdote que leva a Custódia) e as lanternas, encostadas à parede, e o Guião (estandarte que vai à frente nas procissões) junto ao guarda-vento, assinalavam a particularidade deste Domingo.
O povo que ali se encontrava reunido, com roupa “de ver a Deus” porque para se andar de qualquer maneira já bastavam os outros dias, entoava cânticos de Aleluia, numa comoção sentida de vitória. Na altura da Comunhão muitas pessoas comungavam, incluindo homens tendo, para o efeito, havido Confissões para a preparação. Fazia parte dos deveres de bom cristão confessar-se pelo menos uma vez no ano, de preferência pela Páscoa. Terminada a missa, seguia-se a procissão pelas ruas principais da aldeia que, no dia anterior, tinham sido varridas, com vassouras feitas de giestas, pelos moradores. Era linda a procissão! O Guião, grande e pesado, requeria braços fortes, de homem, para o manejar sobretudo na descida do Outeiro, assim como as lanternas. As outras Bandeiras, mais leves, até as raparigas, algumas vezes, as podiam transportar. Das janelas e varandas pendiam colchas de tecido adamascado ou feitas à mão que, mesmo que fossem sempre as mesmas, eram sempre notadas.
O sino tocava com mais força ao recolher da procissão e, ao entrar na Igreja, as palavras “Aleluia”! “Aleluia”! continuavam a fazer-se ouvir para poderem ficar bem gravadas na nossa memória e ainda hoje fazerem eco nas nossas cabeças com cabelos brancos…

Também a alimentação, neste dia, era melhorada. No Sábado, o Forno Grande ( comunitário) não tinha descanso para cozer os biscoitos numas fornadas a seguir às outras. Num alguidar de barro misturava-se a farinha, os ovos, o açúcar, mexia-se com uma colher de pau e obtinha-se uma massa consistente que se deitava em forminhas de lata untadas com azeite ou se dispunha aos montinhos em tabuleiros. Era uma azáfama: na casa do Forno entravam cestas com os ingredientes e saíam cheias de biscoitos embrulhados em pequenas toalhas… para nós era uma alegria! Se nos deixassem, comíamos a massa às colheradas em vez de só raparmos o alguidar e lambermos a colher!
O jantar ( refeição por volta do meio-dia) do Dia de Páscoa, em regra, era constituído por carne de borrego que, ou se tinha dos rebanhos ou se comprava. Preparada de véspera, era guisada numa caçarola de barro preto de Molelos, sobre a trempe, com lume moderado. Azeite, alho e vinho branco e bastante tempo para apurar bem, eram o segredo do cozinhado. Depois, bastava cozer batatas que, a molhar naquele molho, (como se dizia), era de comer e chorar por mais! O arroz -doce comia-se à sobremesa e, em algumas casas, encetava-se um queijo.
As amêndoas também faziam parte da tradição e constituíam, para nós, uma guloseima. Quase só nesta Quadra nos lembrávamos delas, oferecidas por padrinhos ou familiares, faziam as nossas delícias e não descansávamos enquanto não dávamos conta delas porque, afinal, amêndoas era coisa de criança e duravam tão pouco tempo na boca…

A Semana Santa - Anos 50/60 - Vila Boa do Mondego

A SEMANA SANTA acabava por chegar com o Dia de Ramos que celebrava a entrada de Jesus Cristo na cidade de Jerusalém, como o sacerdote fazia questão de recordar. Mas, para nós, que dias antes só pensávamos no nosso ramo, acabava até por ser mais importante do que a passagem bíblica que comemorávamos. Era preciso levar, neste Domingo, um ramo bonito e completo como mandava a tradição: loureiros não havia na aldeia, mas alguém se encarregava de os trazer da Quinta dos Ramos aos quais se juntava alecrim e raminhos de oliveira. As mulheres levavam ramos grandes, num braçado, os homens apenas um ou outro um ramito de oliveira. Mas, nós, levávamos tempo a arranjar o nosso e, para ficar mais bonito, acrescentávamos-lhe algumas outras flores que nem vinham a propósito.
À entrada da Igreja eram benzidos pelo sacerdote e um clima de alegria reinava no ar misturado com o perfume campestre de tantos ramos… e não pensávamos em mais nada a não ser que era Domingo de Ramos e que tínhamos um ramo, como se essa realidade fosse válida para todos os Dias de Ramos da nossa vida…

Os ramos eram, depois, convenientemente dependurados para secarem porque uma outra finalidade os aguardava. Nos primeiros dias de Maio com eles se faziam cruzes que, colocadas nas árvores, nos campos, tinham a missão de proteger as colheitas sobretudo das trovoadas que naquele mês eram frequentes.

SEXTA –FEIRA SANTA ou Sexta – Feira da Paixão era um dia marcado pela tristeza. Da parte da tarde, quase ninguém trabalhava em sinal de respeito e luto pela Morte de Jesus. Na Igreja, procedia-se à Adoração da Cruz mesmo que o sacerdote não pudesse presidir, alguém se encarregava de conduzir a Oração.
As crianças, sempre presentes, ouvíamos atentas o drama da Crucificação e Morte de Jesus e, sem nos apercebermos, íamos construindo os alicerces da fé que ainda hoje nos sustenta.

Vila Boa do Mondego - Datas assinaladas - Quarta-Feira de Cinzas - Anos 50/60

Os acontecimentos de carácter religioso tinham, para as crianças, particular interesse que a repetição, ano após ano, não fazia desaparecer e nos levava a participar nos rituais litúrgicos com a devoção própria de quem ainda não tinha dez anos de idade.
A Quarta – Feira de Cinzas iniciava a entrada na Quaresma pelo que era dever de todos ir à missa e participar na imposição das cinzas como preparação para a vivência espiritual do Mistério Pascal, quer dizer, a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. O sacerdote, realçando a efémera fragilidade da vida humana, dava ênfase a estas palavras que, de pequenos, nos habituamos a ouvir e, já então, quase compreendíamos: “lembra-te de que és pó e em pó te hás-de tornar”…para, em seguida, deitar na cabeça dos fiéis, alinhados na coxia, uma pitada de cinza, em forma de cruz, resultante da queima dos ramos de Domingo de Ramos do ano anterior.
A verdade é que sentíamos alguma nostalgia associada à Quaresma. Na Igreja, com os santos tapados com panos roxos e a ausência de flores nos altares, a ouvir falar de jejum e abstinência… era uma reflexão dura demais para quarenta dias, dada a fé da nossa tenra idade.

Vila Boa do Mondego - Datas assinaladas - O Entrudo - Anos 50/60

DATAS ASSINALADAS



Os três dias de Carnaval que, na nossa meninice, chamávamos Entrudo, nada tinham de especial por não haver na aldeia a tradição de festejar esta data. Eram dias de trabalho iguais aos outros, porque quem vivia do amanho da terra e da criação de animais tinha sempre que fazer. Por isso, corpo cansado não se dava a folguedos. Excepcionalmente, alguém se lembrava de pôr alguns disfarces, entrar na Taberna e acompanhar o tocador de concertina numas voltas ao povo.
O que havia de invulgar era o jantar (ao meio-dia) do dia de Entrudo, propriamente dito. Para isso se guardava, na salgadeira, o rabo do porco que se cozia com feijão vermelho juntamente com uns nacos de carne gorda ou entremeada e uns bocados de chouriça. Na panela de ferro, que logo cedo se punha ao lume que se ia atiçando, tudo misturado ia cozendo lentamente até depois se juntar uns punhados de arroz. Era bom, comia-se à colher, num prato fundo que dava mais jeito.