domingo, 26 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego - Datas Assinaladas - Dia de Natal - Anos 50/60

A manhã revestia-se de pormenores relacionados com a ida à missa, que tinha lugar por volta das nove ou dez horas, de acordo com a disponibilidade do Pároco que se deslocava de Celorico. O almoço ( primeira refeição do dia), podendo constar das sobras da Ceia, embora de forma apressada, era inevitável porque não era bom ir para a Igreja em jejum. Em seguida, procedia-se à higiene domingueira havendo o cuidado de lavar, com água e sabão, a maior superfície do corpo possível o que originava despejar, na rua, a bacia de zinco ou de esmalte várias vezes. Era complicado se, entretanto, o primeiro toque do sino se fazia ouvir o que acelerava ainda mais o arranjo das crianças que, naquele dia, não podiam faltar à missa. Se havia roupa nova, a estrear, era mais fácil; mas, se já vinha de um irmão mais velho, ou de um vizinho, quase sempre era necessário fazer dobras e disfarçar, de outros jeitos, o desajuste do tamanho. Com o calçado, agudizava-se a situação: se era novo, causava sempre incómodo por ser a primeira vez; se já tinha sido usado e os pés, por norma, andavam descalços, também se sentiam apertados e com dificuldade de movimentos. O certo é que tudo isto despendia tempo e causava atrapalhação a quem, pelo tempo, não era controlado. Um dos últimos retoques era o pentear que, se no caso dos rapazes era molhar o pente, fazer o risco, ou o caracol a cair para a testa, no caso dos mais pequeninos, tornava-se moroso no caso das meninas cujos cabelos compridos custavam a desenriçar para fazer, a preceito, as tranças ou prendê-lo com um laço que, com o sino a apressar, nunca calhava bem à primeira. Já quase em cima da hora se colocava uma gravatinha que, sobressaindo na camisa branca, dava aos rapazes um ar de homenzinhos. Por último, para enfeitar as meninas, ia-se buscar a caixinha do ouro, nos casos em que existia, e tudo o que era para pôr se punha: brincos, anéis, fios ao pescoço … e, quando acontecia ser um daqueles cordões com mais de um metro de comprido as voltas eram tantas que, por pouco, não se chegava atrasado à missa.
A indumentária dos adultos em pouco diferia de um Domingo habitual. Os homens, envergando o fato das ocasiões especiais, sobrepunham-lhe uma samarra para se protegerem do frio que, em situações de descanso, custava mais a suportar e usavam o chapéu novo que se mantinha guardado; as mulheres, pouco se preocupavam com a vestimenta pois o xaile preto de lã, dobrado em triângulo, cobria tudo e aconchegava muito. Tinha importância, isso sim, pentear bem o cabelo, fazer a trança de novo e conseguir um carrapicho volumoso, seguro com ganchos, de preferência de osso de tartaruga, que prendiam e enfeitavam mais. O cabelo era, talvez, a única presunção mas, coberto pelo lenço ou pelo véu, apenas discretamente se adivinhava.
Mais a preceito se preparavam as moças casadoiras com as suas saias de pregas bem vincadas ou justas, camisolas de lã, por elas manufacturadas, meias finas e sapatos pretos com um bocadinho de salto. Os cabelos que, uma a uma, foram cortando, apresentavam-se neste dia cheios de caracóis em resultado das permanentes que, na véspera, tinham feito numa cabeleireira de Celorico. Os adornos de ouro, já propriedade própria, contribuíam para reforçar a postura dos seus corpos esguios que, mercê do amanho das terras, não acumulavam gorduras.
Para a Igreja o povo se ia encaminhando sempre atento aos toques do sino. Os homens iam chegando em primeiro lugar e, em pequenos grupos, conversavam no adro, junto da porta lateral. A grande maioria subia as escadas exteriores e instalava-se no Coro; alguns, de mais idade, ocupavam os bancos junto do altar de Nossa Senhora. As mulheres e as crianças entravam pela porta principal, onde o guarda-vento dava um jeitão, dirigindo-se para os lugares onde, permaneciam, em muitos casos, as pequenas almofadas rectangulares, para se ajoelharem. A verdade é que a Igreja se ia enchendo, pois havia ainda a acrescentar a presença dos camponeses das quintas e os habitantes do Barco que, sensibilizados pela quadra natalícia, queriam assistir à missa.

Várias gerações ali se encontravam com o objectivo comum de festejar o Nascimento de Jesus. O ritual da Celebração pouco diferia de um Domingo habitual mas, o espírito de Natal dava mais inspiração para, em latim, se rezar a Confissão, o Credo, o Pai Nosso… e, quando chegava o momento dos cânticos, na língua viva em que todos nos expressávamos, as vozes afinavam-se e, em uníssono, enchiam a Igreja, sobrevoavam o Presépio e, decerto, chegavam ao céu!
A cerimónia terminava com o "beijar o Menino". O sacerdote retirava-O das palhinhas enquanto os fieis, entoando cânticos de Natal, formavam fila na coxia. Como era tão perfeito! Rosado, sorridente, rechonchudo, com as perninhas ligeiramente cruzadas, no joelho ou no pé se ia beijando à medida que, com um paninho branco, o sacerdote ia apagando vestígios do carinho ali deixado:

- Ó meu Menino Jesus
- Convosco é que eu estou bem.
- Nada deste mundo quero
- Nada me parece bem!

- Ó meu Menino Jesus
- Boquinha de requeijão
- Dai-me da vossa merenda
- Que a minha mãe não tem pão.

Eram os Natais da nossa infância que, na ingenuidade própria da idade, acreditávamos que fossem sempre assim: na mesma Igreja, na mesma aldeia… como se não houvesse mais mundo e nós continuássemos sempre crianças…

domingo, 12 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego - Datas assinaladas - Consoada - Anos 50/60

A CEIA DA CONSOADA decorria na cozinha, em virtude de ser a divisão mais aquecida da casa e não se justificar sair de lá. Os familiares, mesmo que aumentassem, cabiam bem e, além disso, o convívio já tinha começado. As duas panelas grandes de ferro que, anteriormente, amparavam o lume e ferviam “mentiras”, iam cozer as batatas, as couves tronchudas e o bacalhau que, bem regados com azeite, era de comer e chorar por mais! E, porque era Noite de Natal, tão diferente de todas as outras, podia haver arroz-doce para a sobremesa! Se algum vizinho, por mera amabilidade ou para retribuir um favor, achava por bem oferecer algum leite das suas ovelhas, era uma delícia para completar a Ceia!

Noite de Consoada um pouco atribulada aconteceu, certa vez, a uma das famílias da aldeia. Uma mensagem natalícia, vinda de uns conterrâneos imigrantes na América, abriu crédito na Taberna do sr. Pereira para proporcionar, em géneros adequados, uma Ceia condigna aos agregados familiares mais carenciados. Porém, não estando o organismo habituado a tanta abundância, pregou-lhes uma partida fazendo-os passar uma parte da noite de levante. Ora, como a família era numerosa e as idas ao pátio tão frequentes, acabaram por suscitar a curiosidade dos vizinhos visto que, de noite, qualquer barulho ou movimento era ampliado naquele sossego onde quase nada acontecia. Mas, como eram as diferenças que faziam as festas, também esta se integrou no âmbito festivo porque estômago vazio não dava ensejo a alegria e aquela noite tinha que ser alegre!

A meia-noite chegava depressa. Em algumas casas ouviam-se cânticos de Natal:
- Alegrem-se os Céus e a Terra
- Cantemos com alegria
- Já nasceu o Deus Menino
- Filho da Virgem Maria!

Sabíamos que, na nossa aldeia, esta noite pouco diferia de casa para casa. E, como sabíamos pouco, pensávamos que seria igual ou parecida no resto do mundo que, no fundo, nem tínhamos a certeza se existia.

E era muito fácil adormecer! Sentíamos à nossa volta um amor tão grande, uma abnegação tão profunda, uma mensagem de Natal tão verdadeira, que nos levavam a não desejar mais nada porque, confiantes, acreditávamos que já tínhamos tudo.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego - Datas assinaladas - O Natal - Anos 50/60

DATAS ASSINALADAS
O NATAL

Os Natais da nossa infância tinham um carácter essencialmente religioso. O nascimento de Jesus concretizava-se no Presépio que, com a devida antecedência, era armado na Igreja ao lado esquerdo do altar-mor (altar principal da Igreja). O musgo, apanhado nos pinhais, cobria toda a superfície onde se colocavam as diversas figuras que, embora fossem sempre as mesmas, cada ano nos pareciam mais belas e reais devido à conotação que lhes atribuíamos. A gruta de Belém, centrada e elevada à custa das pedras escondidas sob o musgo verde, sobressaía no conjunto e para lá se dirigiam, antes de tudo, os nossos olhares meigos e piedosos que contemplavam tanto desconforto agudizado pelo frio intenso daqueles Dezembros rigorosos que não se compadeciam com a nudez do Menino Jesus. Nossa Senhora e São José, um de cada lado do berço de palhinhas, não Lhe podiam pegar ao colo embrulhando-O nos seus mantos mas, a vaquinha e o burrinho, ali encostados e quietos, tinham o propósito de, com o seu bafo, aquecer um pouco o corpinho do Menino. No cimo da gruta permaneciam dois anjos de asas abertas que assinalavam o poder divino daquele Nascimento. Desviando o olhar, percorriam-se caminhos de terra trilhados pelos Reis Magos, pisados por pastores levando presentes e, de onde em onde, surgiam rebanhos em bardos para não se dispersarem. Aqui e além surgia uma ponte, um moinho, mais umas ovelhas dispersas acompanhadas pelo pastor e o cão… e, novamente, os nossos olhos regressavam ao centro das atenções que era o Menino Jesus.
A montagem deste Presépio, que acompanhávamos a par e passo, era uma alegria antecipada, uma participação com significado, uma curiosidade sempre nova que, no Dia de Natal, observávamos em silêncio como se fosse a primeira vez. Sabíamos, da Catequese, que o facto tinha ocorrido muito longe, em Belém, mas pensávamos que seria uma aldeia igual à nossa: com frio, animais e pessoas simples e felizes com o Nascimento de Jesus.
A noite da Consoada, na véspera de Natal, revestia-se de algumas particularidades relacionadas com a alimentação. As filhós, tradição desta quadra festiva, faziam-se à noitinha depois de se deixar levedar a massa. Esta, composta por farinha, fermento dissolvido em água morna, ovos, azeite quente e uma pouca de água-ardente, era demoradamente amassada com as mãos, num alguidar de barro, até a massa ficar consistente e se desprender dos dedos. A seguir, dava-se-lhe uma forma arredondada, alisava-se com um punhado de farinha, desenhava-se, com a cota da mão, uma pequena cruz num cantinho, tapava-se o alguidar com uma toalha dobrada, das mais usadas, e colocava-se perto da fogueira para aproveitar o calor e levedar mais depressa, havendo o cuidado de ir rodando o alguidar. Algumas horas após, constatado o aumento do volume da massa e os desenhos gretados na superfície desta, procedia-se à fritura à qual já toda a família assistia, tomando assento nos seus bancos. O lume mantinha-se aceso com calor certo e a lenha, de preferência seca e em cavacas pequenas; a trempe, sobre o fogo moderado, pronta para receber a frigideira funda coberta de azeite; ali ao lado, o alguidar da massa, de onde se iam retirando pedaços em pequenas bolas que, um a um, depois de bem estendidos sobre um joelho coberto por um pano limpo, assumiam a forma circular e eram deitados sobre o azeite que, rapidamente, os fazia crescer e alourar. Esta tarefa culinária, festiva, rara e gulosa, exigia a colaboração de quem virasse a filhó, a fim de fritar dos dois lados, quem fizesse a manutenção da fogueira, quem as fosse polvilhando com açúcar enquanto quentes, e quem as provasse para se saber se estavam boas…
A noite era de festa!
Que importava a escuridão, a rigidez do frio, o soprar do vento ou mesmo que a geada ou a neve caíssem lá fora? A cozinha estava mais iluminada e quente, a proximidade do lume maior que a habitual, outro alguidar se ia enchendo de filhós quentes, douradas, doces, estaladiças...
-Era só para provar! Comer, depois da Ceia!
Mas nós, as crianças, que há um ano esperávamos por elas, íamos provando uma a seguir à outra para termos a certeza de que estavam boas, muito boas e quiséssemos, intuitivamente, gravar nas nossas mentes aquele doce sabor de infância.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego - Pequeno aqueduto

Este simples aqueduto em granito transportava, por desnível, a água do poço para o campo de regadio.
Era frequente, no pino do Verão, posicionarmo-nos junto a este muro, à medida da nossa altura, para matarmos a sede: inclinávamos a cabeça, ficávamos com o rosto molhado, mas fresco, indiferentes à proveniência dessa água. Que importava isso se ouvíamos dizer " que água corrente não mata gente?"
No Inverno, abrigava os pastores do frio, da chuva e do vento. E, quando os rigores do tempo se iam atenuando e as primeiras réstias de sol surgiam, era o melhor sítio para as desfrutar.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego - Engenho ( Aparelho para tirar água de poços )

Constituído por uma roda dentada em ferro que elevava os alcatruzes que despejavam a água numa caleira de latão. Assentava em duas traves de pedra, num poço circular também de pedra que, a maioria das vezes sem nascente natural, se abastecia com a água da Ribeira.
Era accionado por um cambão ao qual se atrelava um burro ou um cavalo.

Vila Boa do Mondego - A quelha do Chão do Cano

Como gostaríamos de possuír fotografias dos anos 50 e 60 ! Mas, na época, apenas o Sr. Toneca tinha uma máquina fotográfica e registava, a pedido, em tamanho reduzido, imagens esbatidas de pessoas a sorrir...
Não passava pela cabeça de ninguém meter esta Quelha numa objectiva! Bem bastava o que custava a descer e muito mais a subir com cestas pesadas nas mãos, à cabeça ou sacos às costas!
Mas, para as nossas pernas ágeis, era como se fosse a direito...

Vila Boa do Mondego - Casas da nossa aldeia

Pedras grandes e pequenas, um telhado, uma porta e um buraco para deixar entrar alguma claridade que anunciasse o nascer do dia.

Vila Boa do Mondego - Balcão de casa


O granito deste balcão acusa, visivelmente, o desgaste provocado pela sua utilização ao longo do tempo.

Vila Boa do Mondego - Casas da nossa aldeia


Casas que povoam o nosso pensamento nesta análise retrospectiva de uma parte da nossa existência.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego - Casas da nossa aldeia


Nesta casa, afastada da povoação, do outro lado da Ribeira, tiveram início as Memórias que descrevemos.

domingo, 5 de julho de 2009

Vila Boa do Mondego -Recordando...


O Penedo da Pomba.Onde ouvíamos dizer que vivia uma Moura encantada!