Aparecia na aldeia, de tempos a tempos, permanecendo alguns dias. Dirigia-se ao largo da Taberna do Sr. Pereira e aí assentava arraial, convicto de que podia pernoitar no pátio anexo. Descarregava do burro as ferramentas necessárias e, munindo-se de uma sertã ( frigideira larga, de pouco fundo) presa a um martelo, dava a volta à aldeia produzindo o som dos dois instrumento agitados com uma só mão. Em seguida, ia fazendo tempo na Taberna bebendo uns copos e contando novidades. Calmamente, junto do comprido banco de pedra, retirava dos sacos as parcas ferramentas inerentes ao seu trabalho a que nós, de pé, assistíamos. Aos poucos, começavam a aparecer alguns utensílios domésticos para remendar: cântaros, regadores, panelas e tachos, baldes, almotolias, candeeiros…que, com o uso, se tinham furado. Não arredávamos pé dali, ansiosos por vê-lo iniciar o trabalho. As brasas acesas na lata velha e negra iriam aquecer o ferro de soldar que, fazendo derreter a solda, pingo a pingo ia tapando todos os buracos. Por vezes, aparecia quem trouxesse um prato, uma travessa ou terrina em dois ou três bocados; o desgosto manifestado quer pela antiguidade quer pela utilidade, levavam o artesão a colocar “gatos” ( espécie de ganchos metálicos) nas rachas para reunir as partes quebradas. As peças de cerâmica ficavam como novas, prontas para durar outro tanto tempo.
Embora não tivesse muita apetência para conversar, nós fazíamos-lhe companhia observando cada movimento e por ali ficávamos até que o nosso nome se fazia ouvir, sinal de que devíamos regressar a casa. Para apaziguar os ânimos, contávamos quem tinha dado serviço, como este tinha sido realizado, como parecia impossível ter remendado tantos furos neste ou naquele regador, como as brasas se aguentavam tanto tempo…enfim, repetíamos o que era por demais sabido cada vez que o Caldeireiro, a troco de uns escassos escudos, saídos do nó da ponta do lenço das mãos, prolongava o uso das vasilhas já gastas.
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