Neste retorno ao passado, que o acto de escrever aviva mais, tornam-se presentes as vivências mais simples há muito adormecidas. Descrevê-las minuciosamente, de forma despretensiosa, permite galgar tempo e distância, voltar a ser criança e saborear o viver dos primeiros anos da nossa vida. Poder-se-á questionar a importância dos temas ou a pertinência dos factos, mas não os traços marcantes que ainda permanecem.
O Amola – Tesouras aparecia inesperadamente. A mesma indumentária coçada ( muito usada), larga e escura, o mesmo boné, os mesmos serviços.
Fazia-se anunciar pela gaita de beiços, num tom crescente e decrescente seguido do cantado pregão "amola tesouras e navalhas" que toda a gente identificava. Não tinha poiso certo; percorria as ruas deslocando a velha bicicleta onde estava montada a pedra de esmoril, que o pedal fazia rodar, bem como a caixa que armazenava o mais diversificado material: martelos, tesouras, alicates de pontas diferentes, arames, pregos, guarda - chuvas partidos, pedaços de panos velhos… e ia parando às portas de quem do seu ofício necessitava. Afiava tesouras, facas, navalhas, consertava guarda – chuvas substituindo varetas empenadas, colocando remendos ou um cabo novo.
Depressa dava a volta ao povo. Encostava a bicicleta, entrava na Taberna, mandava vir meio quartilho de vinho acabando por ali deixar os míseros tostões conseguidos. Quando o víamos partir, na direcção do Eirô, ouvíamos dizer aos mais entendidos que não tardaria a chover…
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