Gostávamos de o ver chegar, com o burro carregado de objectos de barro embrulhados em palha. Escolhia um recanto da rua e espalhava pelo chão o que tinha para vender ou trocar: cântaros, potes, bacias, tigelas, alguidares, pratos, púcaros, bilhas, jarras, caçoilas de ir ao forno, canecas, assadeiras, fogareiros… os mais variados objectos que em barro grosseiro se possam conceber. Havia também, em menor número, algumas peças vidradas ( cobertas por uma substância vitrificável) que, por serem mais caras, nem valia a pena perguntar o preço. Entretanto, algum amigo o convidava para visitar a adega e, conversa puxa conversa, se falava da queima da geada, do limpar das oliveiras, de acontecimentos em povoações vizinhas. As mulheres, desejosas de substituir a loiça esborcelada ( com bordas partidas), mexiam, pegavam, viravam, num contacto agradável e pouco comum de manusear objectos domésticos que nunca foram utilizados,…e poisavam-nos à medida que iam fazendo contas à vida. Pensando bem, podiam-se remediar até à Feira da Santa Eufêmia onde, pela quantidade da oferta, tudo havia de ser mais barato. Viravam costas sem, muitas vezes, dar ouvidos ao chamamento do louceiro que, precisando de vender, se conformava a não ganhar nada, como ele dizia. Verificando que, desta forma, não fazia negócio, tinha como alternativa, trocar louça por géneros: ao aceitar batatas, feijão, milho ou melancias, ia entregando louça, a mais que não fosse para aliviar a carga do animal. Passados dois ou três dias, sem perspectivas de melhores transacções, decidia-se a arrumar a louça e a percorrer outras aldeias numa vida ambulante em que a sorte seria igual.
Nós, que ainda nem tínhamos dez anos de idade e apenas compreendíamos a objectividade das coisas, ficávamos a pensar que a vida seria assim: uns chegavam e partiam, outros ficavam para sempre…como nós, à espera da próxima vinda do louceiro.