sexta-feira, 18 de junho de 2010

O Cantoneiro - Anos 50/60 - Vila Boa do Mondego

A evocação deliberada destas memórias centra-se, essencialmente, sobre pessoas cujos nomes tão bem retemos. De umas nos recordamos claramente localizando-as nas ruas, de enxada às costas ou de cesta à cabeça, a descansar nas soleiras das portas, a remendar peças de vestuário, a jogar as cartas na Taberna; outras, porém, por coincidirem com o início da nossa meninice, apresentam-se difusas e restritas a um ou outro lugar. Neste caso se inclui um Cantoneiro ( empregado de conservação e limpeza de um cantão, de estrada). Avançado na idade, há muito tempo deixara de trabalhar passando os dias ensoleirados sentado numa cadeira, junto à casa, a ver-nos brincar no caminho do Cruzeiro ou na cova do barro com os três filhos que, tardiamente, tivera. Sabíamos que tinha sido Cantoneiro e, sem discernirmos no que consistia esta profissão, prevalecia a ideia que era não trabalhar no campo a tempo inteiro. Mais tarde, porque outro Cantoneiro existiu e o nosso entendimento se aperfeiçoou, constatámos ser uma ocupação diferente, com horário estabelecido, remuneração certa, farda própria acinzentada e chapéu de abas largas, usufruindo de privilégios que a generalidade dos residentes não possuía.


Esta actividade, exercida na Estrada Nacional  nº 16, mais propriamente no troço entre Celorico da Beira e Fornos de Algodres, consistia em reparar covas, limpar valetas e aquedutos, sachar e ancinhar as bermas, demover árvores tombadas, plantar outras, cortar e desbastar as clúvias que efusivamente alastravam, pintar os marcos de sinalização, evitar incêndios, ajardinar os locais providos de fontes, facilitando a deslocação dos transportes rodoviários e amenizando a circulação dos transeuntes para Feiras e Mercados. Arrumada a um canto do subconsciente ainda permanece a imagem da máquina preta com a fornalha ardente a expelir fumo fazendo derreter o alcatrão que, derramado sobre o entulho que preenchia os buracos, uniformizava o tapete da via. Era bem mais aprazível caminhar ou passear ladeando a estrada do que calcorrear carreiros esburacados, rompendo entre silvados, para chegar à Tapada do Senhor, ao Martinel ou às Enguias!

As circunstâncias do trabalho conferiam ao Cantoneiro formas específicas de socialização e aquisição de conhecimentos: contactava com gente de outras paragens, dava informações, inspirava segurança… desenvolvendo uma concepção do mundo rolando sobre rodas accionadas por motores que, consequentemente, haveria de diferir da obtida através da locomoção quadrúpede e rodas de madeira que, no viver da aldeia, se fazia.

Além do mais, na análise reflectida implícita na descrição destas memórias, valoriza-se a localização geográfica da nossa terra beneficiando da Estrada Nacional como abertura de novos horizontes de tal modo que, cortando à direita ou à esquerda, se tomaram rumos percorrendo quilómetros, atravessando fronteiras e sobrevoando Oceanos.

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