No recôndito lembrar destas memórias e porque o pensar feminino tem imposições específicas, não podemos deixar de referir a missão nobre e ímpar da parteira de ajudar as mulheres da aldeia a dar à luz. Desde o princípio da gravidez que nela pensavam quando chegasse a hora, certas da sua disponibilidade e competência. Ajudou a nascer a quase totalidade da nossa geração, numa época desprovida de cuidados médicos e higiénicos em que a habilidade, a muita prática e coragem, diplomaram em nascimentos aquela a quem, popular e carinhosamente, chamávamos de Tia Virgínia. Morava no cimo do povo, no Outeiro, numa casinha modesta e a sua imagem, de velhinha, ainda guardamos com gratidão. Quando solicitados os seus serviços, sempre que a mulher grávida sentia os “primeiros puxos”( as primeiras contracções), ainda que fosse a altas horas da noite, saltava da cama, ia-se abotoando pelo caminho e corria para a mulher com dores de parto, mesmo que fosse fora da aldeia. Uma panela com água quente, uma bacia de esmalte ou de zinco, uns panos brancos e limpos, uma tesoura e um carro de linhas, constituíam os acessórios de que não precisava de se fazer acompanhar. Tudo se fazia de acordo com a sua determinação: fazer força no momento certo, agarrar-se à barra da cama ou a ela própria, abrir a boca e respirar bem, mudar de posição, acelerar a dilatação com vapor de água quente se “a boca do corpo não se abria”…ter paciência que já faltava pouco…e as suas mãos abençoadas acolhiam os seres pequeninos que, chorando, muitas vezes vinham ao mundo magrinhos e engelhados, mas que ela garantia não ter importância pois “traziam pele para encher”.
Entretanto, já outra mulher, familiar ou vizinha, preparava uma galinha gorda para fazer a canja que iria fortalecer a parturiente durante o período de resguardo. A parteira ia à sua vida sem outra recompensa a não ser a suprema satisfação de ter conseguido levar a cabo tão sublime incumbência.
Com palavras se expressam pensamentos. Estes, por se referirem ao começo da nossa existência, envolvemo-los em fraldas de amor, carinho e agradecimento às duas primeiras mulheres das nossas vidas: a nossa saudosa mãe e a Tia Virgínia.
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