O pão constituía parte fundamental na alimentação e era necessário providenciar para que nunca faltasse. Havia a sorte de existir uma azenha na margem esquerda do rio Mondego, bem pertinho da aldeia. O açude encaminhava a água para o moinho que fazia mover os rodízios de madeira que accionavam a mó ( pedra granítica redonda muito pesada) transformando o cereal em farinha. O moinho nunca parava. Para tal, exigia o trabalho do moleiro, todo empoeirado do pó da farinha, na recolha dos alqueires ( medida de capacidade correspondente a treze litros) do grão, de porta em porta, carregando no seu burro os sacos de centeio e de milho depois de terem sido crivados e cirandados para retirar alguma pedra, pau ou cisco. Lembramo-nos dele, o Pedro moleiro, a percorrer as ruas da aldeia, sem pressas e bem disposto mesmo que alguma freguesa se tivesse atrasado a encher o saco. No dia seguinte, nova volta, desta vez para entregar as taleigas que, destinadas à farinha, eram brancas e macias. O seu trabalho não era pago em dinheiro; ele próprio descontava a maquia que, em alguns casos, deixava as mulheres descontentes e a refilar.
Da farinha de centeio, depois de peneirada, extraía-se o farelo para engrossar a vianda dos porcos. Com a farinha de milho, em menor quantidade, preparavam-se as papas que se comiam ao pequeno almoço em vez das batatas; aquecia-se a água, dissolvia-se e mexia-se a farinha, adicionava-se um pouco de açúcar, deixava - se ferver e comiam-se antes de arrefecerem. Para nós, a pequenada, eram um castigo aquelas papas logo ao levantar da cama! Franzíamos sempre o nariz! Então, para evitar complicações e não chegarmos tarde à escola, espalhavam sobre o nosso prato umas colheradas de açúcar amarelo que, ao derreter-se, fazia carreirinhos doces que se desfaziam em toda a superfície.
Às vezes, quando íamos ao rio, espreitávamos para dentro do moinho, mas apenas registamos a ideia de um lençol branco envolvendo tudo. Como, naquela idade, só o que era visível e real prendia a nossa atenção, molhávamos os pés, brincávamos na areia e apanhávamos pedrinhas redondas que levávamos nos bolsos. Era deveras interessante quando os filhos do moleiro se juntavam a nós e, em mergulhos rápidos, apanhavam peixes nos buracos das rochas e emergiam da água funda com um peixe na boca e um em cada mão!
A nossa infância foi uma acumulação de saberes vividos que, mesmo sem utilização prática no decorrer da vida, sustentaram outros saberes e enriqueceram a nossa personalidade.
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