A FESTA DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA
O sentimento religioso era, na época a que nos reportamos, o elo mais forte que unia as pessoas, sendo a Igreja o local privilegiado e único onde todos os habitantes se reuniam. As Festas, na sua simplicidade, proporcionavam um misto de sagrado e profano que aconchegava a alma e descontraía o corpo.
A Festa de Nossa Senhora de Fátima, em Maio, levada a efeito pelos mordomos e mordomas ( que preparavam e dirigiam uma festa de igreja) que, anualmente, eram nomeados, era uma tradição que acompanhava a nossa infância. A imagem de Nossa Senhora, do alto do seu andor coberto de flores brancas, emanava uma ternura e um sorriso tão belo que os nossos olhos pequenos não se cansavam de contemplar. Escusado será dizer que tínhamos assistido, e até ajudado, a armar o andor! Da Casa da Fábrica ( divisória para arrumação anexa à Sacristia), retiravam uma estrutura de madeira assente em dois paus compridos que , colocados no chão próximo dos braçados de flores, nada tinha de interessante. Mas, as flores iam sendo pensadamente dispostas e, aos poucos, iam preenchendo espaços até se conseguir ter a ideia de que estavam ali por si só, segurando-se umas às outras. Nossa Senhora, no seu altar, esperava paciente que o seu trono florido estivesse pronto para a receber. Então, cuidadosamente, era colocada no seu andor e ali ficava a noite inteira à espera do Seu dia para, na procissão da Festa, percorrer as ruas da aldeia.
À tarde, havia a arrematação de ofertas ( vender em leilão) em que não faltavam as chouriças, os queijos, os bolos, as garrafas de vinho e jeropiga e até as primeiras cerejas que alguém se tinha privado de comer. Nós, à frente dos adultos para vermos melhor, seguíamos com o olhar o percurso da oferta, ouvíamos o “quem dá mais”, as propostas seguintes para, finalmente, terminar :
- Quem dá mais, um!
- Quem dá mais, dois!
- Quem dá mais, três!
- Está arrematada!
A oferta era entregue à pessoa que mais escudos tinha oferecido e, quantas vezes, assim acabava um sonho guloso que, por momentos, tínhamos tido.
A FESTA DE SANTO ANTÓNIO
Era no mês de Agosto que o Santo António saía da sua Capela, no dia da sua Festa. Os preparativos eram os mesmos, o entusiasmo igual ou maior ainda, visto existir a preocupação de proporcionar uma Festa com características populares mais acentuadas.
Ouviam-se foguetes, fazia-se a romaria das ovelhas com os chifres enfeitados com bolinhas de lã vermelha, à volta da Capela e, à tardinha, até se realizava um bailarico ao som de uma concertina no Largo do Santo que, mesmo com o piso inclinado, não impedia que se bailasse até se fazer noite. Uns dançavam outros assistiam, enquanto Santo António, permanecendo no seu andor, esperava que o transferissem para o seu altar de onde, afinal, apenas saía naquele dia.
Acode-nos à memória a Festa Eucarística que, anualmente, se realizava numa das Freguesias do Concelho de Celorico da Beira. No decorrer da nossa infância não aconteceu em Vila Boa do Mondego mas, muitos de nós, participámos numa dessas Festas na aldeia da Ratoeira num recinto descampado, junto à estrada nacional. Ainda recordamos um grande altar improvisado, coberto e muito enfeitado, com uma larga escadaria de madeira. Devia ser uma grande responsabilidade organizar esta Festa pois, para além da afluência de, praticamente todo o Concelho, a Eucaristia era presidida pelo Senhor Bispo da Guarda, cuja imagem, por ter sido a primeira, nos impressionou. Cada Freguesia ostentava os seus estandartes, junto dos quais a respectiva comitiva se aglomerava. Era um mar de gente! Se é verdade que ”a fé move montanhas”, só poderia ter sido ela a fazer deslocar, a pé, aquela multidão percorrendo quilómetros de estradas e caminhos sob um calor intenso.
Quando, à tarde, regressávamos em grupo à nossa aldeia, íamos parando junto às casas que ficavam à beira da estrada para saciarmos a sede e descansar um pouco porque, como se sabe, o ir e o vir das festas têm sensações diferentes que, embora crianças, também manifestávamos.
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